Cola cum Fróis

Escrevo pela necessidade de me livrar das palavras | @_dudufrois

sábado, 27 de dezembro de 2014

Três pássaros que se foram...

Longe de dar uma de grande imprensa com uma super-mega-foda-retrospectiva do ano, vim aqui apenas relembrar um pouco do que passou. Ou melhor, de quem passou. E não vai mais voltar. Reparei que, assim como o ano passado, 2014 levou consigo gente talentosa que me influenciou de alguma maneira. A lista, desta vez pequenina, é outra vez musical, embora o ano tenho sido bem mais cruel com os escritores. Até queria escrever sobre Rubem Alves, Ariano ou Garcia Marques. Mas ainda não li um só livro desses caras, então nem tenho muito o que dizer. Abaixo, segue um relato pessoal sobre cada um que se foi, deixando muita coisa boa pra se ouvir.

5 - Janeiro. Já no início do ano, falecera Nelson Ned, cantor que ganhou fama nos anos 70. Por ser baixinho e ter uma voz potente, Ned chamou atenção do público ao cantar, em sua maioria, músicas de amor. Quem é mais velho já deve ter dançado agarradinho alguma canção do rapaz. A mais famosa de todas, que ainda hoje é sucesso em barzinhos daqui do interior, e todo mundo conhece é Tudo Passará. Acredito que toque muito em Sampa também, porque tem uma galera numerosa que curte um brega na capital. A canção traz um ar melancólico de desilusão amorosa e ao mesmo tempo nostálgico por ter marcado época. Com certeza muita gente já chorou ouvindo esse refrão de melodia grudenta, hahaha. Um clássico, né?


8 - Maio. Seguindo na linha de marcar época, e mais ou menos nos tempos de Ned, Jair Rodrigues deixou seu nome na história da música popular brasileira. Num estilo diferente do samba convencional, Jair caía tanto prum lado mais swingado, quanto pro lado social. Mas não se limitava a gêneros musicais. Dizem até que o sambinha Deixa Isso Pra Lá, outro clássico da música nacional, foi uma espécie de primeiro RAP brasileiro, por ser bem mais falado do que cantado. Mas seu maior sucesso, gravado inúmeras vezes por cantores dos mais diversos estilos, também não é um samba. Disparada tocou no rádio, no festival da canção e no coração do Brasil levando uma mensagem de um sertanejo desesperançoso com a realidade dura. A letra é forte, além de ter uma das introduções mais famosas dentre os clássicos nacionais.



7 - Setembro. E pra fechar com samba, vou mais longe no tempo ainda. Conhecido desde os anos 40, Miltinho foi voz de obras irreverentes do autêntico samba cantado em rodas cariocas. Lançou no rádio importantes compositores de qualidade. Seu sorriso, seu bom-humor e seu célebre bigodinho - que um dia eu chego lá - são a marca do Rei do Ritmo. Mulher de Trinta, imortalizada em sua voz, tenta ganhar no papo uma mulher mais madura. Simples, o sambinha é envolvente e fácil de guardar. E Miltinho muito tem a ver com isso.



Não poderia também deixar de saudar Eduardo Coutinho e Roberto Bolaños, referências no audiovisual. O mexicano Bolaños pelo humor singelo e muito inteligente, sem recorrer a estereótipos sociais. Marcou gerações com seus seriados Chaves e Chapolin. O brasileiro Coutinho expôs sem hesitar a realidade de um país subdesenvolvido por meio de documentários. Meu xará, profissional da mídia, é simplesmente um dos maiores nomes do cinema nacional e deixa um legado importante a quem se interessa por boas histórias reais.

Que o ano que virá semana que vem seja menos rigoroso com a arte!


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Vortando...

E eis que, aos 45 do segundo tempo, eu retorno a este templo de palavras soltas sem nexo. Pique o chute do Thiago Ribeiro, naquele nosso último jogo, pra redenção suína, eu retorno a casa, sem marcação, pra marcar esse golzinho feio de pelada de quebrada antes que o ano acabe e os fogos de artifício, cheio de cores e efeitos no ar, decretem o final dessa partidinha.

E não foi jogo ruim não, rapá! Aaaaah, o do Santos x Vitória foi sim... Aliás, essa temporada foi dura, viu. Fiz a pré-temporada em Pindamonhangaba, me despedi e, logo no carnaval, me joguei pra Sampa. Matei aquela vontade de morar numa cidade grande, sair o fim de semana todo, conhecer gente nova, ter teatro e padoca na esquina da casa... É bem mais prático, claro. Mas é custoso. Nesse tempo em que fui só mais um cidadão paulistano tomei conhecimento do preço dum pão na chapa e um pingado. De umas cervejas geladas em eventos de rua, inclusive. Além de deixar por aquele solo de José de Anchieta meu celular, meu notebook e meus documentos. Porém, colhi muita coisa de lá também.

Aprendi a pegar busão. Louvei o app de celular que indica se ele tá vindo. Agradeci as faixas de ônibus diariamente. Senti falta da minha bike, muita falta. Não sei se dei azar, mas minhas linhas de ônibus pareciam as piores da cidade - ouviu 7725-10? Aprendi a estudar no busão. Valorizei meu tempo naquela cidade de sujeitos atrasados. Economizei um tanto d'água. Adquiri ainda mais raiva de toda a crew do Geraldinho. Me empolguei e depois me decepcionei com uma política mais "arejada". Conheci lugares fantásticos. Mais que isso. Conheci pessoas fantásticas. E por mais que eu passasse o resto de minha vida lá na capitar, isso numa otimista previsão longínqua, não conheceria os bons lugares e pessoas suficientes daquela selva de pedra. Sem contar a oportunidade que eu tive esse ano de conhecer lugares e pessoas pelo Rio e por Floripa.

Deixei, em 2014, pra trás, pessoas para rever, lugares para revisitar, uma quadra na Barra Funda pra voltar logo logo, um samba pra firmar e uns rolês que não esqueci que estou devendo, viu? Quero, e vou, dar continuidade a tudo isso, só que lá pro ano que ainda virá. Assim como, nesse restin de ano, tô revendo muita coisa boa aqui em Pinda. E ao mesmo tempo descobrindo minha cidade de outras formas. Desconstruindo uma visão que eu tinha ano passado. Ficar distante por um tempo é bom, que se há algum sentimento mais forte ele se aflora em meio a essa distância, e volta muito mais gostoso, mais valorizado.

Agora, ainda não quero morar aqui. Tal como na mesma época do ano passado, não sei pra onde vou. Quero me jogar pro mundão outra vez. Ir além de São Paulo, já que o Brasil é tão grande, né? Dilma, libera a verba, que pralguma federal desse país eu vou, ah se vou!

Té logo, Sum Paulo

Mas eu vorto.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A Copa das Copas

Sim, o país é carente de serviço público de qualidade e obras sociais. Sim, estamos muito longe de alcançar uma igualdade plena nos direitos entre os nossos cidadãos. E sim, o momento político atual clama por revolução. Porém, negar o sucesso organizacional de uma Copa do Mundo em nosso país é ignorância. Excluindo-se os desastrosos acidentes na construção dos estádios e a desumana remoção de famílias das áreas de obras... E, claro, descontando a polícia violenta que está longe de possuir o preparo necessário para lidar com manifestante/jornalista, efetuando, inclusive, prisões sem fundamento... A Copa valeu.

Seria mesmo a Copa um evento necessário ao Brasil?

Não pelos lucros astronômicos que construtoras, canais de televisão, marcas de cerveja/refrigerante, a famigerada Fifa e diversas outras empresas tiveram. Mas pela festa. O Brasil esteve em evidência, e quem teve coragem e disposição pra cá conhecer, veio. E gostou. Conversei com diversos estrangeiros que enxergam um Brasil diferente do nosso. Alegre. Festeiro. Liberal em alguns momentos. Conservador em outros. Muito custoso nas despesas básicas, realmente. Mas também muito solidário em cada pessoa. Tive uma impressão excelente dos visitantes que recebemos. Tenho certeza que foi recíproco.

E quanto ao futebol... Ai o futebol, rs. O futebol rolou. Protagonista, o esporte mostrou seu alto nível. Vieram jogar em nossos gramados jogadores excepcionais. Únicos em suas equipes. Uns acabaram com a Copa mais cedo, como o estranho atacante Suarez. Outros, tiveram sua Copa encurtada, como o azarado Neymar. Seleções grandes e repletas de estrelas ficaram pra trás logo no começo, como: Espanha, Itália e Inglaterra. Merecidamente. Seleções sem nenhuma tradição fizeram bonito com a bola, como a Argélia, a Colômbia, os EUA, o Chile e, claro, a queridíssima Costa Rica! Merecidamente, tambien. Como no! Rolaram bons jogos. Dos que eu vi, cito: Alemanha x Gana; Brasil x Colômbia; Espanha x Holanda; Austrália x Holanda; Chile x Espanha; França x Suíça; Alemanha x Portugal; Uruguai x Itália; Itália x Inglaterra; Costa Rica x Uruguai; Costa Rica x Itália; Costa Rica x Holanda; Alemanha x Argélia; Argentina x Suíça... entre outros. Nem se compara com o nível de nossos campeonatos nacionais. Nem se compara mesmo! Dá até um certo dó prever quais os futuros jogadores que pisarão nestes gramados tão bem cuidados.


Vale do Anhangabaú, sendo palco de alegrias e decepções.

Já em relação ao Brasil, acho que fora um erro desde o começo. Talvez lá em 2007 com o Lula também fora cometido um erro. Mas o erro real, ocorreu desde a saída de Dunga do cargo de treinador. Mano não conseguiu administrar o elenco, que não é fraco. Felipão, às pressas, teve um sucesso consagrante logo no início de sua volta, com a Copa das Confederações, ano passado. Depois daquilo, não tinha como nem porque mudar. Estava dando certo. E parou de dar. O ataque não se acertou mais. A defesa até que começou a Copa bem... Mas as laterais e o meio campo nem pareciam os mesmos. O rendimento dos jogadores não caiu, despencou. O que falar daquele Fred que estava voando? Daquele Jô que entrava e anota um gol? Daquele Paulinho que defendia bem e atacava com precisão? Daquele Daniel Alves veloz que apoiava o ataque bem? Do xerifão Luiz Gustavo? Do Oscar que parecia encontrar seu futebol na seleção? Nada disso vingou nesse mundial. Não acredito que seja pressão, influência externa ou obra de um treinador ruim. Talvez uma Confederação de Futebol mais transparente ajudasse também. Acredito que o momento passou, e que o treinador não foi capaz nem de dar continuidade ao título de 2013, nem de propor mudanças na forma de jogar. Felipão insistiu naquilo. E naquilo fez uma Copa ruim. Ganhou de uma Croácia de virada e com a ajuda do juizão japonês. Empatou com o México numa partida travada. Goleou a fraca seleção de Camarões, é verdade, mas levou um gol bobo também. Contra o Chi-Chi-Chi-Le-le-le, sofreu, quase sendo eliminado na prorrogação e tendo em Julio César a redenção. Com a Colômbia, fez sua melhor partida. Não menos disputada. Nem um show de futebol arte. Um jogo duro, que o Brasil mostrou merecer a vitória, mas viu o craque do grupo ir embora de maca. Aí nas semi-finais... Desabou toda estrutura do time, que fez a pior partida que eu já tinha visto de uma seleção brasileira. Uma tática ineficaz, se aliou a um despreparo técnico, que juntos ocasionaram um apagão futebolístico! Parecia a pelada aqui do bairro.

Minha escalação seria essa: Neuer (ALE) - Lahm (ALE)  - Hummels (ALE)  - Boateng (ALE)  - Blind (HOL) - Mascherano (ARG) - Schweinsteiger (ALE) - Kross (ALE) - Robben (HOL) - Messi (ARG) - Muller (ALE)

Alemães erguem a taça da Copa do Mundo, após vitória no Maracanã
Time da Alemanha, campeão do mundo em futebol e simpatia.

Ontem, eu perdi a final. Aliás, eu perdi vários jogos. Alguns eu perdi e fingi assistir pra comentar aqui... (hahahah, mentira!). Muitos, eu vi pela metade. Outros tantos eu acompanhei completamente bêbado. Alguns em casa, outros na casa de um amigos. Muitos nas ruas da Vila Madá, outros tantos na Fan Fest. Uns pelo rádio, outro pela televisãozinha da padoca... Ouvi comentários mil. De radialista dizendo que a Costa Rica não assustava ninguém naquele grupo, à uruguaio chapado querendo discutir aquela final de Libertadores em 2011. Escutei desde xingamentos inúteis para a presidente, à comentários inteligentes dos gringos sobre o futebol apresentado. Aliás, descobri que gringo entende mais de futebol do que brasileiro. Brasileiro gosta de festa, de beber, de comemorar a vitória. Os estrangeiros que eu vi faziam comentários mais fundamentados até que muito comentarista esportivo de emissora grande por aí. Ah, como é bom esse choque cultural.

Por fim, fica a sensação de festa encerrada. Não sei pra você, mas pra mim foi a Copa das Copas. Sem ter sequer chegado perto de uma arena sede dos jogos, eu vi uma Copa muito interessante. Sem ter o glamour das câmeras, eu assisti a alegria ser personagem principal de um jogo predominantemente limpo. Cerveja cara à parte, a confraternização é o principal elo entre tudo isso. Brasileiro, ou não; admirador de futebol, ou não; eu vi uma cidade vibrar, torcer junto ou contra, sem enxergar fronteiras. Valeu, São Paulo. Dei um tempo nos estudos, mas consegui me divertir. A Copa foi aqui. E foi muito bem.

Maracanã jogo final Copa do Mundo (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
E quem torceu contra a Copa aqui, não foi feliz.

Agora é libertar quem foi preso indevidamente... E construir um país bem estruturado ao redor das Arenas. Sem terceirizar, por favor.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Brigando com o tempo na Cidade Cinza

Estudando fora, longe de casa, um relógio de pulso seria bem-vindo! Provavelmente foi isso que minha mãe pensou ao me dar relógio digital quadradinho, a prova d'água, todo preto, bem simplesinho. Estilo aqueles de dez reais que você compra na feirinha da cidade, sabe? "Mostrando as horas, tá bom" - deve ter imaginado ela. E me deu. Só que com o mundo de hoje girando ao redor dos celulares e smartphones, quem é que precisa de um relógio pra ver as horas? Eu. Que perdi o radinho mês passado. Passei a usar relógios não mais como um simples acessório visual.

Além daquele que ganhei de minha mãe, eu tinha lá guardado na gaveta um outro: vermelho, de ponteiros, bem mais complicado de ler as horas, só que novinho também. Bem mais bonito. Passei a usá-lo pra ir estudar, pra sair à noite, sair pra comer... Dificuldades com ponteiros à parte, aquele objeto vermelho começou a fazer parte da minha rotina. 

Até que em um dia normal, apressado pra sair, acabei mexendo na gaveta pra pegar lá no fundo alguma coisa como uma balinha de hortelã ou as chaves da porta. Vi o tal relógio preto. Agarrei-o com firmeza e saí depressa. Deixei, sem querer, o meu querido relógio vermelho em casa. Usei o preto, o feiinho. "Fazer o quê, né?" Já era fim do dia quando eu fui perceber que aquele relógio preto que eu nunca havia colocado no pulso estava 10 minutos adiantado. Pensei: "grande coisa, o que dez minutos podem mudar na minha vida?" E joguei-o em cima da mesinha do quarto. E por lá ele
ficou.

oh o naipão do bagui

Aí, após belos dias se passarem, em meio a pressa cotidiana, estava eu atrasado, outra vez. De férias, iria pegar ônibus pra Pinda. Descansar de Sampa, da cidade grande, do clima de festa e agitação que envolve a Copa do Mundo na capital. Comprei a passagem on-line, e pra não perder o busão como na semana passada, eu ia ter que sair logo de casa. Sei que se eu o perdesse, ficaria na rodoviária algo como duas horas até o próximo sair. Isso, se caso eu ainda conseguisse trocar a passagem. Do jeito que aquela empresa de passagem é... Fora o jogo da Argentina que eu nem ia vê por estar na estrada. Além de perder também toda a tarde naquele agoniante Terminal Tietê, eu perderia a noite, chegando tarde até pra dá um pião. Sem celular, então, mano. Sem poder ouvir uma música no foninho... Ah, eu tinha que correr!

E corri memo. Peguei a mochila, mordi alguma coisa e peguei o relógio que vi na frente. Saí mastigando, trancando a porta, ajeitando o relógio no braço, limpando a boca, trancando o portão e vendo as horas. Não faltava muito, não. Subi até o ponto do ônibus, que nunca passa quando a gente precisa. Enquanto eu pensava na possibilidade de comprar uma água no bar da esquina, ele veio vindo. Devagar. Cheio. Pudera, dia de jogo de Copa em Sampa... E seu destino era a badalada Vila Madalena. Lá peguei o metrô, enfrentei fila pra por crédito no bilhete e fila pra passar na catraca. Desci no apetite as escadas rolante pela direita. Me sentindo um paulistano, tio. Não adiantou nada. Tive que esperar do mesmo jeito. Quando veio o metrô, eu entrei já fazendo os cálculos do intervalo arredondado quanto perderia de uma estação pra outra e nas baldeações, junto com os minutos que me restavam. E eu ainda teria que imprimir a passagem que comprei na internet. Aliás, eu não sabia nem onde faria isso. 

Cada vez que eu olhava as horas, eu me desmotivava. Acho que o metrô da cidade de São Paulo nunca tinha andado tão devagar quanto naquela tarde. E as estações pareciam não acabar. Fui fazendo mais cálculos e vi que os 20 minutos que eu tinha antes, tinham virarado 15, já se tornaram 10. Fechei os olhos. Me imaginei chegando depois do horário de partida do ônibus. Me veio a cabeça os longos 120 minutos que eu passaria sentado naquelas cadeiras duras do terminal. Talvez com fome e sem grana. Assistindo a tarde ir embora. Guardando energia e inutilizando esse dia. UM DIA. Que tem 24 horas. E que eu não as haveria usado pra nada, a não ser me locomover míseros 150 quilômetros. Quem anda isso num dia todo? Se eu tivesse ido caminhando de mochila, compensaria mais. Não gastaria essa grana. Apreciaria uma paisagem, um ar puro. Poderia parar quando quisesse. Até pegar uma carona. Chegaria antes... Arghhhh!

Até que já quase sem esperanças, tentando me acostumar com ideia de viajar só no finalzinho da tarde, ao olhar mais uma vez pro meu pulso, me perguntei "por que diabos eu vim com esse troço?" Lembrei da minha mãe, do camelô que deve ter vendido pra ela, do outro relógio mais bonito, do celular que eu não tinha mais, dos dez minutos... DEZ MINUTOS!!! Era isso! Eu tinha mais dez minutos, e num contava com tal bônus. Era como morrer logo após passar num check-point no Crash. Como ser salvo pelo herói quando o vilão do filme já lhe perguntava seu último desejo.

Um sorriso logo surgiu no meu rosto. Perguntei pro cara ao lado as horas, só pra confirmar. Confirmei. Tudo bem, ele deve ter me achado um imbecíl perguntando as horas de relógio no braço esquerdo. Respirei fundo. Nem liguei. Agora sim as minhas contas batiam! A estação do Tietê se aproximava. O metrô parecia andar mais depressa. Saiu do subterrâneo dando vista ao céu acinzentado. Vi uma marginal cheio de sujeitos iguais a mim: apressados. Brigando contra o relógio. E vi também que desta vez eu iria vencer. 

Venci. Me senti de volta para o atletismo, numa competição lá no João do Pulo. Passei todos no corredor do terminal. E olha que ninguém anda devagar naquele lugar. Peguei a passagem, desci a escada de três em três degraus e fui o último a entrar no ônibus. Ouvi algo do tipo:

- Tava só esperando você, jovem, hahaha - do motorista.

Sentei no meu lugar. Estava suado. Ofegante. Olhei pro meu pulso e sorri outra vez. Fui arrumar o relógio pra hora certa. Pensei melhor... Desisti. Agradeci minha mãe em pensamento. E prometi nunca mais sair atrasado pra pegar ônibus, nem reclamar dos presentes dela. Afinal, mãe sempre sabe o que faz. 

domingo, 25 de maio de 2014

A cultural ganhou de novo!

Exato um ano após meu post a respeito da Virada Cultural de número 9, eu venho novamente fazer meu relato sobre o evento. Dessa vez sob uma outra ótica, um outro contexto. Agora como morador da cidade de São Paulo, e não mais como um "turista cultural do interior". Como eu já estava exausto no sábado da virada, resolvi não virar outra noite. Com isso, não pude aproveitar tão bem o evento, logo, o texto tende a ser um pouco menor em relação ao do ano passado.

Também este ano, eu li nos jornais e ouvi falar pelos busão da cidade que, a Virada estava muito violenta. Ou melhor, que sempre foi. Muitos já ficaram com medo de comparecer na madrugada. Outros, nem de dia vão. Isso vai criando uma imagem estigmatizada, vai distorcendo a função da Virada Cultural. Não sei se pela imensa maioria de notícias ruins sobre ela, ou se pela insistência da Polícia Militar em acabar com tal evento; uma parte população aos poucos vai se afastando dessa festa tão ampla. Isso não seria surpresa se ocorresse apenas entre as camadas mais ricas, mas o curioso é que o medo agora também vem rondando os mais pobres. 

A violência, portanto, afasta a população da rua. O descrédito com quem deveria proteger essa mesma população não ajuda. Mas eu reforço o que disse ano passado: a violência está presente diariamente em São Paulo. E no Brasil. A Virada Cultural só transporta essa violência das partes periféricas para o centro. Aí, com câmera gravando e gente por todo lado, ela fica muito mais evidente. Brigas, arrastões e assaltos já fazem parte do cotidiano de quem mora por aqui. Infelizmente a Virada não é uma exceção. 

Do palco pro público. Do alto pra República toda.

A programação dessa décima edição trouxe um leque enorme de opções, agradando a todo tipo de público. Teve rock, eletrônica, teatro, apresentação no Teatro Municipal, circo, cinema, sarau, funk, mpb, reggae, música internacional, stand-up, atração infantil, parte gastronômica, Sesc's com diversos shows... Como sempre, muita coisa interessante pra apenas 24h. Uma pena eu não ter ido a nenhum desses aí. Aliás, uma pena também cancelarem shows por conta da chuva de granizo que houve no dia de domingo, atrapalhando toda a parte elétrica dos palcos. 

Agora, meu depoimento pessoal do evento fica baseado em três apresentações, apenas. A começar pelo início da noite do último dia 17, com a abertura da Virada; no palco do Samba, na Estação da Luz, o riquíssimo talento histórico da Velha Guarda do Camisa Verde e Branco. São mais de cem anos de história de carnaval que essa entidade tem. Imagine então a experiência desses malandros de terno verde e chapéu branco... É muita história pra contar. E é muito samba de raiz também. Foi executada uma seleção de canções antigas, bem regionais, trazendo à mostra a singularidade do samba paulista. Esses sete bambas, acompanhados de um time de batuqueiros, embalaram o público que aos poucos começava a sambar pra espantar o frio. Depois, eles ainda mandaram antigos sambas-de-enredo do Camisa Verde, com direito ao hino e tudo. Acho que faltou nessa virada algo relacionado às escolas de samba, blocos e cordões carnavalescos da cidade. Não é só no carnaval que eles existem. Mas é só no carnaval que eles aparecem. A velha guarda do Camisa mostrou que as agremiações têm todas uma belíssima história de amor para com o samba por de trás do espetáculo de fevereiro. Um espaço maior pra esse tipo peculiar de samba seria bem válido, já que em São Paulo essas escolas não possuem a visibilidade que possuem as do Rio de Janeiro, por exemplo. Enfim, o batuque ali durou pouco mais de uma hora e foi uma delícia para encerrar minha noite. 

A história do samba de São Paulo passa por esses caras

Uma cena triste, porém, me chamou atenção no local: um sujeito, visivelmente bêbado gritava coisas incompreensíveis ao longo do show. Ele dançava, subia na grade, caía, mexia com as moças... Depois, chegou outro. Não sei se se conheciam. Mas começaram a dançar (sem ritmo algum) juntos. Lamentável ver o efeito das drogas em cidadãos que pareciam mesmo gostar de samba. Como a Virada Cultural é para todo o público, não podiam retirar o sujeito chato que não ficava quieto. O episódio serviu pra expor quanta gente está "perdida" pelo centro de São Paulo. Com ou sem Virada por lá.

Já no outro dia, bem cedinho, eu acionei o despertador e compareci para conferir um show de rap: Dexter e MV Bill na República. Nessa mesma República, na outra Virada, há dois anos, eu já tinha visto o show do Dexter, também numa manhã de domingo. Acho que fazia pouco tempo que ele havia saído da prisão, e aquele era um dos primeiros shows dele em liberdade. Foi muito emocionante. Me marcou de verdade. Agora em companhia do Bill, não tinha como ser ruim. Apesar do atraso e do tempo sem graça - até porque eu também me atrasei - o público chegou junto. Era difícil circular ali. Até que o DJ soltou o play, a base de 'Soldado que Fica' se iniciou e, para a surpresa geral, quem entrou de mic na mão foi o Dexter. Depois, Bill cantou a música também. Aí eles intercalaram as canções. Houve uma troca bem legal no palco na qual várias vezes um cantou parte da música do outro. Meu destaque vai pra Kmila CDD interpretando 'Falcão' com uma força na voz que realmente foi de arrepiar. 

Música inicial do show

Lá me chamou atenção um outro episódio. Enquanto Dexter e MV Bill cantavam, algumas pessoas da plateia se aproximaram mais do palco. Um rapaz tentava colocar um molequinho lá em cima - provavelmente seu filho. O segurança mandou descer o moleque, que logo começou a chorar. Mais dois seguranças logo subiram no palco e passaram a ficar a frente das caixas de som para impedir qualquer contato do público com o palco ou com quem lá em cima estivesse. Após a música que estava sendo executada acabar, Dexter pediu aos seguranças que se retirassem, alegando confiar totalmente em seu público, dizendo ter certeza que nada de prejudicial iria acontecer ali. O mc prosseguiu o discurso dizendo que se alguém ali provocasse algo ruim, o acontecimento seria um prato cheio pra mídia, no dia seguinte, estampar nos jornais que palco de Rap não dá certo, que é coisa de marginal. Pediu, então, a quem estava mais próximo que ninguém subisse no palco. Disse que ninguém ali iria morrer. O público atendeu, e respeitou. Dexter retribuiu o ato cantando uma música lá embaixo, no meio da galera. Alguma músicas depois, aquele mesmo molequinho que antes estava chorando, foi colocado no palco novamente, dessa vez ao lado do Dexter, e aos poucos foi sorrindo timidamente, já que estava num palco pra umas 5 mil pessoas. O clima daquela manhã foi lindo, totalmente leve e de paz. 

Ainda mais porque em seguida, viria ao palco o Projeto Nave. Claro, que também com certo atraso. Porém, muita gente - assim como eu - emendou o show anterior nesse. Rolou uma vibração legal na República. Uns caras dividiam vinho com um provável mendigo. Um outro provável mendigo dividia o baseado com outros caras. Um grupo ali fazia uma espécie de freestyle. Um cara vendia cerveja e lança todo bem-humorado. E o DJ soltava só os clássicos do rap lá de fora. O Projeto começou a tocar, e junto a eles vieram váaaaaaarios mc's. De cabeça, eu me lembro do Rincon Sapiência, do RAPadura, do RedNigaz, do Marechal, do Xis, de um mano do Síntese, de gente do SNJ. Enfim, só maluco de qualidade. Não eram tão conhecidos, mas mostraram talento e flow. Ficou pequeno o palco pra tanta gente. E Virada também é isso, um híbrido de espaço pra quem tem uma legião de fãs e pra quem tá chegando agora. Não pude, infelizmente ficar muito tempo, então assim que o Projeto Nave encerrou seu último groove, eu fui embora da Virada. Pretendia, sim, voltar depois, mas a chuva me desestimulou.

O balanço que ficou foi (como sempre) positivo. Não vi nenhuma briga. Não vi nenhum roubo. Não vi nenhum arrastão. Não vi violência. Mas não serei ingênuo de afirmar que não houve nada disso. Sei que teve casos sim, que eu felizmente não presenciei. Reafirmo que não vejo insegurança maior na virada do que numa segunda-feira comum, na volta pra casa depois da aula. Acho que as atenções deviam se voltar muito mais pra parte boa da virada, do que pra casos de polícia. Eu não vi site nenhum contar sobre o clima que estava nos outros palcos, se as pessoas estavam sorrindo, se divertindo... Inclusive, é mais um motivo para tomar coragem e vir pra rua ver e sentir com o próprio corpo. Sem se basear em colunista de jornalão. Ano passado, após a virada eu cheguei em casa com uma sensação de que o povo é muito grande, e que a cidade é toda nossa. Imaginei esse povo tomando consciência do poder que ele tem. E não é que dias depois esse povo se conscientizou. Espero que esse mesmo povo jamais saia da rua, que é o lugar de quem vive a cidade. Sem medo da rua. Deixa isso pra quem está lá no poder. 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Embolada de Exílio

Minha terra tem palmeiras,
Tem pardal e sabiá.
Tem cascata e cachoeiras
E o mais brilhante luar.

Minha terra tem ar puro,
Céu azul, fruta no pé.
Em meu bosque não há muro,
Cabe "homi", cabe "muié".

Cabe quem quiser chegar,
Cabe o povo lá da praça:
Povo "bão" de prosear.
Minha terra tem mais graça!

Graça aqui é achar tempo,
Procurar chegar primeiro,
Prosseguir sobrevivendo...
Teu tempo vira dinheiro,
Teu prazer torna fumaça:
Seu prazer é passageiro.

Não deixe, Deus, que a essência
Se acabe no meu lugar.
Não permita que meu Vale
Imite o "pogresso" cá.
Que a fumaça da metrópole
Não paire sobre meu ar!

Vale... Ah, se vale.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Livraria Cultura de Rua, ao menos por uma noite.

Aos poucos o Conjunto Nacional ia perdendo seus ares burgueses. Conforme escurecia o céu, escurecia o público também. Engravatados, de roupa social e gel foram se misturando aos dreadlocks de camiseta larga e bombeta; até virarem minoria. A rua invadiu o Cine Livraria Cultura. Por que? Porque todos queriam ver Nelson Triunfo. Queriam conferir o documentário feito por Caue Angeli e Hernani Ramos sobre o Nelsão, "Triunfo". Sobre o percursor do hip-hop nacional.

Enfim fizeram a homenagem que o gigante tanto merece. O filme conta toda sua história, desde Triunfo, onde nasceu em Pernambuco; passando por Paulo Afonso, na Bahia; por Ceilândia, em Brasília; aqui pelo eixo Rio-São Paulo, principalmente pelas bandas do centro de Sampa e do ABC paulista; até o exterior, como Berlin e Nova Iorque. Mostra, que Nelson sempre teve o sonho de fazer da dança sua forma de vida. E que pôde finalmente realizar isso aqui em São Paulo.

Nelson Triunfo e sua crew, fazendo o que mais gosta.

São diversas entrevistas interessantes, que dão voz desde dançarinos profissionais ao mais alto nível do hip-hop (nacional e internacional). Desda velha-guarda lá da São Bento, à grandes músicos de sucesso atualmente. Todos se mostraram admirados pela forma única dele mexer seu corpo de 1,90 de altura. Quem comanda tudo isso, no maior estilo locutor de rádio black dos anos 90, é Thaíde, outro pioneiro quando se fala da cultura hip-hop no Brasil.

A história do Nelsão se mistura com a história da música negra brasileira. Tanto o funk, quanto o soul, e sobretudo o rap; têm grande contribuição do homem-árvore, como era conhecido nas pistas. Ele traduziu com os pés, nos tempos de James Brown e Luther King, o orgulho negro. Com ele vieram grupos de dançarinos desse novo estilo que surgia. Vieram bailes e equipes blacks. Encontros de dançarinos no centro de São Paulo. E mais tarde o break, o graffiti, os mc's, os dj's... era a cultura hip-hop engatinhando.

Sua marca, seu famoso black-power.

O melhor da história, é que Triunfo não só viu lá de dentro todo o movimento de rua surgir, como fez com que toda a cultura se expandisse do centro pra periferia. Das ruas pras escolas. Dos bailes pra Casa do Hip-Hop, lá em Diadema (que eu ainda não conheço). Como dizem lá no meio, "um homem de vanguarda". E graças a tantas pessoas como ele que o hip-hop se fortaleceu ontem, pra chegar hoje aos quatro cantos levando consigo seus quatro elementos.

O longa tem um trilha-sonora de extremo bom gosto. É a nata do rap/soul music. Tem boas histórias, como não podia deixar de ser, claro. Tristes e engraçadas. Marcantes, acima de tudo. Cheguei a me emocionar com a fala do Criolo. É indispensável pra quem gosta de hip-hop, de black music, e de qualquer forma popular de dança. Pra quem gosta de bons documentários tendo São Paulo como cenário, também. Só senti falta de ver o Nelsão dançando mais. Nas rodas, nos bailes, no piso, no asfalto... Achei que deveriam haver maiores momentos em que ele rodopia espontaneamente, fazendo seus passos característicos, com aquele cabelão solto e seu sorriso no rosto. Aquilo é a essência do Triunfo. E eu só vi isso praticamente no fim do filme.

Valeu muito a ida ao cinema. Ver o cara lá, homenageado, feliz da vida, do alto de seus quase dois metros, recebendo elogios e abraços. Ver todo o tipo de gente se interessando pela história dele, com todo mérito. Valeu ouvir dum tiozinho as recordações dos bailes do Palmeiras. Valeu sentar na fileira atrás d'Os Gêmeos. Valeu conhecer não só o filme, como o evento em si, já que ele participa da mostra "É tudo verdade", na qual vários documentários concorrem neste mês de abril. Tudo de graça para o público. Além do "Triunfo" nas telas, saiu agora também, a biografia "Nelson Triunfo - Do sertão ao hip-hop", de autoria de Gilberto Yoshinaga. Pretendo conferir. Abaixo, segue o trailer do documentário exibido.


O homem-árvore criou suas raízes na rua, na periferia. E, com certeza, ajudou a semear diversos frutos que estão brotando por aí, ou que ainda hão de brotar. Uma boa árvore nos dá sombra. E que sombra! Nelsão teve que tomar muito sol pra ser reconhecido como artista nacional. Cabe a nós levarmos seu ideal de arte de rua à frente, como ele sempre fez.

sábado, 29 de março de 2014

Março de Cinzas

Choveu...

Lá se vai outro carnaval que escorre pelas mãos do presente, e vira recordação. Consigo ele leva Março, um mês de recomeço, de início real do ano. Ano este que é longo; repleto de comemorações, acontecimentos e eventos importantes. E que só vai acabar de fato quando Março chegar outra vez. A partir daqui, meu tempo se encurtará mais, minha rotina muda, mas a presença no Sessão sempre será constante.

Como sou um rapaz muito organizado (hahaha), dividi o post em dois. Agora, com as justificativas das notas dos jurados das duas cidades sambísticas saindo quase juntas, ficou mais fácil. São Paulo; que eu vi os desfiles do chão, tirei minhas conclusões baseadas no que EU mesmo estava acompanhando. Rio de Janeiro; que eu acompanhei de longe e tentei traçar uma linha geral do que eu vi por aí.


São Paulo:

E Choveu pra caralho!

A Leandro de Itaquera entrou no Anhembi debaixo duma chuva muito forte. Chegou a chover granizo. Claro que isso comprometeu o desfile, mas não o diminuiu. A escola passou vibrante e alegre. Porém, apresentou muito erros. O samba não ajudou. A chuva que deu na Leandro, parou pra Rosas passar. A escola elevou o nível plástico e rítmico dos desfiles. Tinha uma batucada perfeitinha. Mas o enredo nada empolgou. Aí a chuva voltou. Mais forte. O granizo também voltou. Entrava naquele portal a X-9 Paulistana. O luxo aumentou. A empolgação murchou. O samba melhorou. E a chuva esfriava os componentes. Até que ela deu uma amenizada, mas não parou. A Dragões entrou firme, trouxe um tema de fácil identificação e bem alegre. Sem nuances nem maiores surpresas. Passou correta. Ainda debaixo de garoa, entrou a Tucuruvi. Alegre. Também passou correta. O samba não funcionou. O enredo começou a se tornar cansativo, e a escola foi perdendo o pique (ou levando o meu embora). Depois, foi a vez do Vai-Vai desfilar. Foi a primeira escola que pareceu realmente não se importar com a chuva. Teve um bom chão, mas o que atrapalhou a apresentação foi a parte plástica, que estava bem aquém dos moldes bixiganos (existe esse predicado?). Logo em seguida, já de manhã, a Tom Maior também pareceu não se importar com a garoa que caía. Pareceu não se importar também com o problema que ocorreu no carro-abre alas, e desfilou de maneira leve, brincando realmente o carnaval. Talvez o melhor desfile da noite em termos de "valeu meu ingresso". Acho que era aquele samba...


Início da passagem da Tom Maior, última escola da sexta.

No Sábado, a chuva deu uma trégua para a Pérola Negra passar. E não retornou. A escola trouxe um belo enredo, um belo samba, belas alegorias, fantasias, uma bateria repleta de convenções; porém pecou no principal, empolgação. Em seguida, a Gaviões da Fiel preencheu o que faltava na Pérola. Mas teve bastante erro. O enredo, não empolgou como previsto, e algumas falhas de comunicação na harmonia da escola fez com que eles apertassem o passo. Sendo a terceira da noite, a Mocidade Alegre entrou como campeã. E saiu como campeã. Tendo, simplesmente, o melhor samba do ano, fica tudo mais fácil. Além do que, a comunidade do Limão sempre eleva o patamar da escola. Aliás, comunidade que cantou de joelhos, serviu como o destaque deste carnaval. Logo após então, a Nenê adentrou a passarela do Anhembi. Não conseguiu manter o nível plástico, muito menos o nível de samba, da escola anterior. O que realmente marcou na passagem da azul-e-branca foi a uniformidade do canto, dando um efeito de "escola-solta". Aí veio a Águia de Ouro. O nível do samba subiu outra vez. A escola rasgou o chão, manteve o bom nível de harmonia que se estendia por aquela noite. Só não saiu como campeã, porque desfilou depois da Mocidade. E praticamente no mesmo nível, chegou a Império de Casa Verde. Ficando pra trás apenas em samba, o tigre mostrou que também brigaria pelo título (se fosse um julgamento justo, rs). O nivelamento das agremiações estava lá no alto. Até que o Tatuapé chegou pra encerrar a festa. E fez aquele desfile de lavar a alma. Com um samba (muito mal julgado, por sinal) que soava como um hino, misturando-se ao raiar do dia, a agremiação emocionou a todos com seu enredo. Pode ter ficado abaixo das melhores escolas em questão de requinte, mas, com certeza, correu atrás nos outros quesitos. Pena que problemas com a evolução da escola na pista a tiraram da briga. Mas que era um samba memorável, era...

Tatuapé, encerrando o carnaval do Grupo Especial paulista.

No domingo de Acesso, quem abriu os desfiles foi a Colorado do Brás. E abriu como escola grande. Trouxe um bom número de componentes, e o mais importante, componentes que cantavam. O enredo deu uma alegria a mais ao desfile. Em seguida, era a vez da Morro da Casa Verde. Com um tema curioso, a escola soube trazer boas sacadas. Só não se saiu melhor por ter um samba muito "preso", longo. Aí, a Unidos do Peruche entoou seu belo samba. Fez uma apresentação bonita, sem ficar devendo pra nenhuma das que desfilaram. Finalmente, despontando como destaque, surge o Camisa Verde e Branco, cantando o berço do samba. Fez um desfile único. Repleto de emoção e de ritmo. Posteriormente, Imperador do Ipiranga desfilou seu carnaval. Foi outra bela apresentação, que também soou como leve na passarela. Logo depois, foi a vez da Vila Maria, que não tinha um samba tão bom, mas compensou no visual. A comunidade também chegou junto, fazendo aquele coro na avenida. Enfim, a Mancha Verde fez o desfile da noite. A redenção do carnaval, renasceu das cinzas pra emocionar geral. De alegoria, passando por bateria, chegando em samba. A escola simplesmente sobrou. E por fim, pra manter a tradição 2014ziana de encerrar as noites com sambas fodas, veio a Terceiro Milênio. A escola começou lá em cima, mas caiu muito ao longo da avenida. O canto e bateria diminuíram bastante sua intensidade. Mas aquele samba ficou na minha cabeça, não tem jeito...

Mancha Verde, fazendo do Domingo, especial.

Na segunda eu até compareci ao Anhembi. No entanto, como não assisti a todas as escolas que desfilaram (e as que eu vi, eu não prestei tanta atenção pois estava morrendo de fome/sono/frio/dor de garganta), não poderei falar sobre. Apenas digo que na UESP, deveriam sim subir DUAS escolas, pois num grupo recheado de agremiações que lutam em prol do samba, é sacanagem fazer 10/12 escolas disputarem apenas uma vaga. O acesso comporta mais escolas! O Grupo 1, não.

E como carnaval é uma disputa muito séria, encerro São Paulo dando minha sincera opinião sobre a apuração e o julgamento do evento como um todo. São vários quesitos que, pra mim, estão muito mal julgados. Acho que isso é mais culpa da LIGA do que dos próprios jurados. E não pode seguir ocorrendo de carnaval em carnaval. O sambista não merece isso...


Alegorias e Fantasias: foram julgadas apenas com os erros. "Se errou, desconta!" Concepção, adequação, criatividade; não existe, né? Ou então, todas escolas passaram perfeitas nisso e eu que enxerguei coisa de mais.

Comissão de Frente, Bateria e Mestre Sala e Porta Bandeira: estão sendo analisados cada vez de forma mais técnica. Isso prejudica um pouco a magia dos quesitos, que é agradar ou não. Sem contar o absurdo que é ver jurado descontando ponto por cuíca e pandeiro; sem ao menos levar em conta o ritmo todo da Bateria (os instrumentos obrigatórios), que em si é o que ele deveria analisar. Absurdo ver jurado dividindo MSPB em dois, tirando ponto de fantasia. Absurdo não considerar Comissão de Frente e ala coreografada como componentes que devam cantar o samba. Absurdo julgar a comissão de frente dando 10 pra quem cumpre o que tá escrito, e só tirar ponto do que cai no chão, do que apaga na avenida. Mais uma vez; criatividade, concepção... não existe nada disso no carnaval de São Paulo?

Enredo e Samba-Enredo: que são vistos como "cumpriu ou não a proposta". Não levam em consideração a qualidade do enredo/samba, sua criatividade, seus pontos fortes. Mais uma vez, só descontam do que "faltou", do que "não se encaixou". Um samba é maior do que isso. Bem maior!

É como eu postei no face, não há expectativa de melhoras. Fazer o que, a gente quer o bem do samba. A gente quer um carnaval justo. A parte complicada é que cada um viu uma coisa diferente, numa situação diferente, dum momento diferente. Fora esse sistema de notas decimais que traz de volta aquele tempo em que as notas variavam de 0 a 10, não podendo ser quebrada. Isso só faz com que os jurados descontem pouca coisa de erros que deveriam ter um peso maior. Dá a impressão ilusória de uma disputa acirrada, na qual na verdade as notas apenas variam "0,1". Enfim, o problema maior é interno. É o modo como tudo isso funciona, que é pra cumprir regulamento. Acho que a mudança fundamental seria no regulamento. Mas o que esperar de um sistema de notas que exclui um quarto das notas atribuídas por não confiar na índole dos seus representantes?

Rio de Janeiro:

Do Rio, pelo pouco que eu olhei, o julgamento pareceu ser bem mais sério. Notas justificadas realmente. Poucos "dez" dados de graça. Lá, se está ruim eles tiram ponto mesmo. Aliás, se está bom também tiram as vezes (principalmente se for ponto do Império da Tijuca). Os jurados de lá são mais experientes. Isso tem um peso bem maior. Parece que lá eles sabem julgar "melhor" um desfile. Não que eles não errem também, longe disso (vide o resultado deste ano, rs). Mas a discrepância entre as notas dadas e o desfile apresentado é bem menor. Pelo menos na maioria das vezes sim (salvo exceções como as alegorias da Vila). Lá a tradição do carnaval é maior, isso pesa muito. Aqui, parece que ainda estamos nos ajustando. Não se ajustando aos moldes de lá, se não bastava copiá-los, mas ajustando ao nosso. Se os cariocas não estão contentes com os jurados deles, nós muuuuuuuuito menos com os daqui. Acho que o problema principal do Rio (e que também ocorrem em Sampa) é avaliar a escola pelo porte, coisa que eu nem vi tanto esse ano. A Liga paulistana deveria observar melhor como são treinados os jurados e planejado o manual de julgamento de cada carnaval carioca. Assim como, o carnaval do RJ no geral, deveria aprender mais com a organização técnica do evento de SP como um todo. Melhorias na forma como é realizada a festa são sempre válidas para preservar nosso samba brasileiro.

A respeito dos desfiles, como vi tudo "por cima", não vou comentá-los. Vou apenas dar um panorama conjunto do que eu achei dos sambas, do que me marcou:

                                                  A Águia mais tradicional do carnaval, altaneira, voando baixo.

O chão tremeu. Assim como Itaquera tremeu, a Formiga também tremeu. A Tijuca tremeu. E com ela toda a Sapucaí. O batuque foi de bamba, firme, bem marcado e cheio de ginga. Axé! Axé, que o mar de Iemanjá deslizou na orla de Maricá. O homem voou novamente. Explodiu. Contrastou com a calmaria do barquinho que navegava. Daqui pra lá. De lá pra cá. De Caxias pra Zona Sul. Da praia pro morro. Do asfalto pra favela. O sonho humilde, tão rico, subiu a pirâmide social. Venceu preconceitos. E bateu de frente com o mais puro samba. Tendo batucada lá, e no Brasil inteiro. O coração-mandão viajou pelo país. Cantou. Dançou. Festejou. Pulou até fogueira. Mas não deixou de cair no samba. Samba autêntico. Aquele vindo lá da África. Sutil e preciso em seus versos. Samba que clamou esperança e consciência. E quem diria, tocou aquele coração-mandão. Espalhou sabedoria, boas energias. Ensinou. Aprendemos. Preservamos, pra não virar notícia ruim. Praquele sonho anterior, continuar vivo pro sonhador. E ecoar ao mundo. Sem máscara, sem manipulação, sem mídia desonesta. Clarear a informação. Ecoar a verdade pura. Comunicando-se com o povo. Com a natureza. Em harmonia... Seja no Rio ou em Pernambuco. Porque somos todos mamelucos. Independente de cor, sexo ou crença. Somos brasileiros. Somos apaixonados. Temos a nossa identidade. E desde pequeno cirandamos a cerca dela. Volta e meia o que nós fomos, volta ao presente. Nos surpreendemos. Nesse universo infantil tão rico, infelizmente um dia saímos da ilusão. Perdemos a inocência. Mas mantemos o tesouro. Dentro do coração, que hora mandão, sempre sabe o que diz. Disse uma vez e diz outra: preservação. Pro Brasil. Pro mundo. Ele sabe o que fala. Ele é natural. Ele vive em harmonia com a natureza. Em harmonia com todas as culturas. Sábio coração. Com ou sem suporte adequado, temos que respeitá-lo. Ainda mais no país do futebol. Onde um menino sonha em virar rei pela bola. Raramente consegue. Ás vezes morre com o sonho na mente. Ás vezes sai da ilusão, e vence na vida. E quando vence, tem que brindar mesmo! Comemorar feito gol. Porque no Rio; no Rio há várias histórias dessa. Sempre houve. Não só no Rio. De mar à mar. No mundo. É a vida botando-abaixo sonhos nem sempre alcançados. Ficam no passado. Guardados lá atrás. Mas é daí que surge a vitória. O triunfo. Da adversidade, voamos. E do alto enxergamos a glória. Mesmo que ela não dure muito, vale a pena quando a saboreamos merecidamente. Nunca vamos nos conformar, mas quem somos nós para julgar alguém? Construiu-se o sonho na Sapucaí. E ele foi vencido. Com direito a champanha e tema da vitória. Parabéns a todo mundo que participou dele. E quem me dera sonhar por mais um minuto...

Apesar de tudo, obrigado Março!

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Giro do Verão

Choveu. Houve um período bem longo de tempo seco + sol forte. Voltou a chover. Nesse intervalo eu saí de casa pra um quartinho. Da escola pro cursinho. Dos rios e cachoeiras de Pinda pras ruas cinzas e o ar poluído de Sampa. Fiz minha melhor viagem. Descasquei. Não fiquei doente. Enchi meu cartão de memória. E algumas coisas mudaram...

A Copa São Paulo de Futebol Juniores, a Copinha, ocorreu bem. Ainda mais com o bicampeonato do meu Santos, fábrica de craques. O melhor foi na grande final ganhar do Corinthians lá no Pacaembu. No meio da arquibancada um senhor comentou comigo depois do nosso segundo gol: "e o pior é que na semana que vem eles vão tomar outro sacode hein, hahahaha". E não é que tomaram mesmo? No Paulistão, 5x1, fora o baile. E de quebra levou uma crise ao time adversário, que só tá se recuperando agora do baque. O Palmeiras vem jogando bem, com um time legal, mas nada de extraordinário. O São Paulo tá mais instável, oscilando jogos bons e ruins. Meu Santos, que também não tem lá aquele elenco ideal, é o time que vem apresentando o melhor futebol dentre os paulistas; que não vivem uma boa fase se comparados a nível de futebol nacional. A briga é boa. Dentro de campo.
*Vale repudiar também a tamanha imbecilidade de uma meia dúzia de são paulinos/valentões/covardes que andam em bando, pois não se garantem sozinhos, ao espancarem ontem, até a morte, um santista que estava na rua. 

Arouca jogando tudo o que tinha direito no clássico do último dia 29

No mundo, as revoluções seguem... Na Síria o couro continua comendo, pessoas continuam morrendo, se refugiando, e nada de Al-Assad largar o osso. Na Ucrânia caiu o presidente eleito democraticamente e sabe-se lá quem governará o país então. Na Venezuela - talvez inspirados na Ucrânia - a oposição tenta reunir manifestações para derrubar outro presidente eleito democraticamente, só que desta vez por puro descontentamento com a gestão. Fora o pessoal que quer de todo jeito tirar o Maduro do cargo e fica espalhando pela internet fotos e informações falsas para abalar a imagem do país, sobretudo no exterior. Cheirinho de golpe, viu. 

Manifestante ucraniano em confronto com a polícia local.

Aqui, as eleições de outubro (outubro, né?) vão se aproximando. As campanhas e propagandas irritantes se intensificam. Aí grande mídia já vai abraçando seus candidatos. Criando factoides sobre outros. A Copa chega antes. Os protestos contra a realização também chegam. A PM continua se excedendo nas manifestações - e na rua. Alguns manifestantes também. Surgiu o "rolezinho", e a classe média, como é de praxe, olhou feio. Seria o shopping um lugar de gente diferenciada?

Enfim, o carnaval começa nessa semana, vem pra fechar mais um ciclo - e deixar finalmente 2014 começar, rs. Só espero que não chova. 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Análise dos Sambas de Enredo 2014 - Grupo de Acesso SP

Quase uma continuação do post anterior, aqui eu vou falar dos sambas do Grupo de Acesso do carnaval paulista. Mesmo esquema. Dentre os sambas, acho os deste grupo num nível um pouco acima dos do Grupo Especial. Além disso, há aqui uma peculiaridade. Um samba reeditado. Um samba belíssimo, aliás. Mas que se a moda pega o carnaval acaba e vira algo sem inovação, regride. Preso a um passado, que como a própria palavra diz, já passou. Fora que se uma escola de samba reedita aquele samba antológico, na teoria, é quase metade do carnaval ganho. Acho isso de uma falta de criatividade sem tamanho. E desleal na disputa entre as escolas. Portanto, sou contra reedições de enredos passados. Porém, vou comentar a respeito do samba da Manche Verde mesmo assim.


Mancha Verde: "Bem aventurados sejam os perseguidos por causa da justiça dos homens... Porque é deles o reino dos céus."

"Olha, e vê o fim do preconceito/ pois liberdade é um direito/ que não tem raça e não tem cor."

Um puta dum enredo só poderia dar um samba do caralho! Desculpem o palavreado... Esse samba é foda. A começar pelo enredo, pelo título do enredo. Enredo com pegada bíblica, de bela abordagem. Não sei se será repaginado pra 2014 ou se virá na mesma linha de 2006. Mas tem em mãos uma bela deixa de fatos recentes em que os homens vêm impondo a sua justiça aos seus semelhantes (como o caso do moleque que foi amarrado num poste do Rio por exemplo). Já o samba é DEZ. Perfeito. Sem tirar nem por. Não tem parte ruim. Tem uma poesia extraordinária, além de uma letra completa e boas rimas. A melódia é toda cadenciada, gostosa de cantar. Espero que não acelerem esse samba no dia. É aquele samba pra lavar a alma. Muito superior aos demais (dos dois grupos). Concorrência extremamente desleal. Mas eu até entendo a Mancha... Levar um samba-enredo desse pra avenida, sem ser avaliado com os demais é de foder. Tá... Esse samba pode ser reeditado vai, só esse samba!

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Vila Maria: "Nos meus 60 anos de alegria sou Vila Maria e faço a festa resgatando do passado brinquedos e brincadeiras dos tempos de criança."

"Jogo o ioiô, Bamboleia iaiá"

Tudo bem que a infância é geralmente o período mais feliz de nossas vidas (comigo não foi diferente), que carregamos recordações lindas daquela época, que eramos felizes e não sabíamos. Mas tá ficando chato, né? Desde Casimiro de Abreu (ou até antes) a infância foi exaustivamente exaltada, cantada e recordada. Músicas e poemas sobre ela não faltam. Sambas de enredo também. Esse ano então, parece que as escolas combinaram de voltarem a ser criança. E a Vila Maria é mais uma, tendo no enredo o diferencial de englobar os sessenta anos da escola. Não sei se esses dois lados se encaixarão bem no enredo. Sei que só pelo samba não deu pra entender bem essa mistura. A letra é bonita, mas não esconde os clichês inevitáveis do tema. O refrão do meio parece ser o ponto alto do samba. Já a melodia não me agrada nem um pouco. Chega a enjoar. Deixa o samba sem graça. Não que seja uma obra ruim; porém, me parece um daqueles sambas que a gente esquece logo em 2 ou 3 anos. 

"No tempo voltar, brincar ser feliz, o sete pintar/ Gargalhar ao ver o palhaço a encantar"


Terceiro Milênio: "Xirê, louvação aos orixás"

"O sopro do divino criador/ Um lindo céu emoldurou"

Com um título de enredo parecendo muito com os dos carnavais mais antigos, a Estrela traz um proposta bem interessante: o Candomblé. A escola narra de forma praticamente didática em seu samba a história do Candomblé e seus orixás. Não se trata apenas de mais um enredo afro, de outro samba afro. A Terceiro Milênio mostra em versos seu diferencial. A primeira parte do samba é perfeita. Em narração do enredo, poesia, rimas e melodia. Além de dar a deixa para o xirê do refrão. O refrão do meio é o auge da obra. "Pra cima", sobe o samba sem se perder do tema. É simples e suficiente. Já na segunda parte, o samba parece ter ficado pequeno para o enredo. São mais referências aos orixás do que os próprios versos. Dá a impressão de que as palavras foram compactadas pro samba não ficar maior que o planejado. Bobagem. Um samba leve assim, se mantida a categoria da composição, poderia se estender sem menor problema. Daí o belo refrão cabeça eleva a obra novamente. É outro refrão simples e sutil, que também joga a escola pra cima. Queria um enredo assim pra minha escola... Méritos aos compositores e ao intérprete André Pantera, que tá cantando muito. E Motumbá... Kolofé!

"Saluba Nanã e a fertilidade/ Logun Edé Ewa verdade"


Camisa Verde e Branco: "O centenário está em festa! Do Grupo Barra Funda ao Camisa Verde e Branco, vamos celebrar 100 anos de história."

"Eu fiz batuque para o meu cordão passar"

É cantando seus cem anos de história que a mais tradicional agremiação carnavalesca do Brasil vem pra avenida em 2014. É muita história pra contar! Naturalmente o enredo também é recheado. Assim, o samba não poderia ser diferente. A primeira parte é uma aula (muito bem dada por sinal) sobre a história da escola. No refrão do meio sambas antológicos são relembrados. E na parte final são feitas referências aos inesquecíveis carnavais da escola, que renderam sambas que estão entre os melhores do carnaval paulista. A melodia não é lá essas coisas. Faltou aquele arremate que puxa toda escola junto. Porém, um samba falando da história da escola já deve por si só puxar a comunidade. E se não puxar, é porque não era a comunidade verdadeira. É sem dúvidas uma das melhores faixas do CD, ofuscada apenas por uma reedição e uma paulada da escola anterior. Samba digno da história do Camisa. Mas longe de entrar para o hall das composições antológicas da escola.

"O meu Camisa é muito mais que especial"



Morro da Casa Verde: "O bicho vai pegar... Medos!!!"

"Múmias formaram uma gangue/ Vampiros em busca de sangue"

Outro enredo muito grande, que por sua vez tem um samba equivalente. Não é apenas um samba-enredo comprido. É também um samba-enredo de frases compridas. E que se não for muito bom, cansa; não tem jeito. É difícil de decorar mesmo. A melodia é arrastada. Parece que a obra quis falar da sinopse toda, sem deixar nada de fora. Poderia ser melhor lapido ainda. Acho inclusive, que o tema proporciona uma maneira mais leve de tratar sobre os medos. Acredito que num tom mais irreverente - que eu só vi no final da letra - ficaria bem melhor pro Morro. É um enredo curioso, que dá samba, sem dúvidas. Só que é amplo de mais. Uma melhor abordagem, mais específica talvez, deixaria a obra mais limpa. De qualquer modo; o refrão bem sacado, o final do samba e o intérprete Adeílton salvam a faixa. 

"Desse jeito a fobia vai pegar/ Violência, imposto... muita amolação"


Unidos do Peruche: "A beleza é imperfeita e a loucura é genial"

"Me chamam de pai da ciência/ Quem dera se a vida pudesse criar"

Com a introdução de Seu Carlão, a faixa do Peruche já começa na lata, sem esquenta (como quase todas as outras hoje em dia...). O samba já vem pra cima. Não é daqueles que levanta a galera, mas tem uma pegada muito forte, diferente. A começar pelo refrão principal: bem rimadinho, redondo e coeso. O samba traz no começo a mesma historinha que a Morro - Adão, Eva, o paraíso, a cobra e o pecado. No entanto, nota-se que a letra da Peruche já é composta de maneira mais poética, deixando a obra mais bela. E isso estende-se até o final. O refrão do meio entra num momento legal do samba, dá seu recado e já chama a segunda parte. Um pouco a baixo da primeira, essa segunda parte mantém letra e melodia, subindo em "Amor, vamos brindar...". É um enredo complexo e bem abordado. Já o samba é de uma beleza rítmica tão simples. Combinação que deu certo.

"E lá vou eu..."


Imperador do Ipiranga: "Os quatro deuses encantados sob as bençãos de São Caetano do Sul"

"É você, o meu cantinho de viver"

O último dos chamados "enredos CEP's" de Sampa é da Imperador. Falando de São Caetano do Sul, a escola poderia ter focado melhor seu enredo no diferencial da cidade: é a cidade brasileira mais bem colocada no ranking de IDH. Padrão Europeu. Assim, não seria apenas mais uma história sobre outra cidade da região, que sempre acaba trazendo os mesmos elementos para o samba e desfile. É inevitável. O samba começa legal, tem uma primeira parte bonita, inspirada. Traz uma abordagem bem interessante no começo. Porém, no "Ora yê yêo, Mamãe Oxum" começam vir os clichês típicos dos temas parecidos. A começar pela própria evocação a Oxum nos refrões de meio de samba. Aí vem a arte, o carnaval, o esporte, o museu, as indústrias, a parte ambiental... coisas que praticamente todas as cidades possuem, e que as de São Caetano não parecem ter nada de especial em relação as das outras. Já no final, o samba se encerra bem a partir de "Não troco a minha vida por qualquer lugar..." até o refrão principal. Uma linha de enredo já manjada, que deu num samba mediano.

"Grande parque industrial/ Preservação ambiental"


Colorado do Brás: "De onde vem a alegria dessa gente?"

"Descubro alegria em cada olhar"

Numa espécie de aquarela do Brasil das festividades, a Colorado encerra o CD duplo do carnaval paulistano. Um enredo talvez até já explorado, mas que veio agora abordado de um jeito bem interessante. Começa no sul, vai pro Centro-Oeste, pro Norte, depois pro Nordeste e tem sua apoteose no Sudeste (no nosso carnaval). Sempre focado na alegria dessa gente, no sorriso espontâneo do povo. Não é nenhum Gaviões 2003; mas é um sambinha legal, bem animado. Não vejo destaques na faixa. É um samba de enredo comum, que acompanha a linha de montagem atual da maioria dos sambas. Sem pontos fortes, nem fracos; não deixa de ser uma faixa pra se botar no repeat.

"Oh Minas Gerais, quem te conhece não te esquece jamais!"


E assim encerra-se o CD do carnaval 2014 da cidade de São Paulo. Já foi melhor. Já viveu melhor fase, tanto de composições quanto de gravações. Há bastante o que melhor pra 2015. Na parte positiva, dos dois grupos, ficam pra mim apenas 4 sambas: Mocidade Alegre, Acadêmicos do Tatuapé, Mancha Verde e Estrela do Terceiro Milênio. Reparou? Não!? Ahhhh, tá na cara. Não viu o que as quatro obras têm em comum? A RELIGIÃO! Isso mesmo. Religião dá samba, sim. E samba bom. Justamente os sambas que salvaram o CD 2014. Houve uma época em que não se podia falar da igreja na avenida. Mudaram-se os tempos. Hoje, santo é enredo de carnaval. E como um ateu convicto, confesso minha admiração pela fé das pessoas; pois foi ela, sem dúvidas, que levou os compositores a acertarem na caneta. No mínimo curioso, né?

Bom... espero todos os sambas na avenida. Seja em ensaio técnico ou no grande dia... Pretendo assistir o que der. O que não der, eu tento ver depois na internet. O importante é que o carnaval taí, e independente de qualidade de samba as 22 escolas irão botar seus desfiles no Anhembi. Isso aqui é apenas uma opinião minha, HOJE, dia 05 de fevereiro. Até o dia 29, muitas águas irão rolar... Ou melhor, muito sol irá queimar. Espero sinceramente que as escolas que critiquei me surpreendam, porque o que vale mesmo é lá no sambódramo, logo depois da sirene. 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Análise dos Sambas de Enredo 2014 - Grupo Especial SP

Fui a festa de lançamento do CD do carnaval 2014 de São Paulo, em dezembro. Ganhei o disco, ouvi em casa, passei pro computador, pro celular e agora passo pro blog minha opinião a respeito, antes que comecem a se intensificarem os ensaios técnicos.

O material é simples, muito bonito e bem organizado. Traz junto um encarte com informações das escolas e todos os sambas para o próximo carnaval. A única ressalta vai para a letra do samba da Águia de Ouro que, não sei como nem porque, está toda distorcida do oficial cantado na faixa do CD. Uma pena terem extinto aquela revistinha do carnaval que vinha junto ao disco. Boa informação nunca é demais. E parabéns por continuarem valorizando as agremiações do Grupo de Acesso, fazendo parte mais uma vez do produto deste carnaval um CD duplo.

Nesta análise, vou escrever sobre o que achei não só de cada samba de enredo (letra e melodia), mas de cada faixa. Será apenas minha opinião no momento e, que até o carnaval, com certeza deverá se modificar. Destaco em cada samba dois trechos: um bom e um ruim, um que me conquistou e um que me decepcionou, um acerto dos compositores e um que poderia muito bem não estar ali. Essa parte eu deixo para que vocês reflitam se destaquei os versos corretamente, ou não. Qualquer dúvida, explicação ou crítica; é só comentar!


Mocidade Alegre: "Andar com fé eu vou... que a fé não costuma falhar!"

"brilho nos olhos, alma lavada e paz no coração"

"Obrigado, meu Deus" por ter esse samba em 2014! É daqueles pra concorrer ao Troféu Nota 10, sabe? Redondinho, bem rimado e de linda melodia. O enredo facilita. É bem sacado, e de grande apelo popular. O samba, por sua vez, tem dois refrões muito bons. O primeiro deles, eu já até o imagino na avenida sendo cantado por aquela procissão de sambistas que a Mocidade sempre traz. O segundo refrão é um pouco mais longo, mas não de menor beleza. Além disso, proporciona um tempo exato para que a batucada faça lá sua graça. Acho apenas que os compositores poderiam ter evitado as rimas feitas com verbos terminados em "ar", na primeira parte do samba. E também que a participação de Cissa Guimarães na introdução da faixa é desnecessária. Cabia melhor um esquenta, um alusivo à escola... O destaque fica pra Igor Sorriso, que além de combinar bem com o tema, deu um show de interpretação. É outro nível, se comparado ao ano passado; muito melhor. E se em 2013 a escola já beliscou o campeonato, imagine agora.

"tenha fé que a fé não costuma falhar" 


Rosas de Ouro: "Inesquecível"


"Saudade! Olho pro céu pra nunca te esquecer"


Reza a lenda que enredo ruim dá samba ruim. Geralmente é isso mesmo. Com a Rosas, infelizmente, não foi diferente. Em "Inesquecível", a escola não traz absolutamente nada de inesquecível. Traz, sim, momentos da vida na qual praticamente todos passam, ou seja, a maioria. E levando "a maioria" para a avenida, a escola deixa de carnavalizar algo único ou inovador para trazer como tema uma vida estereotipada de alguém qualquer e comum. Assim, ao mesmo tempo que representa a maioria, acaba não representando ninguém, já que o que marca nossas vidas são os momentos diferentes, únicos; e não uma vida padrão. É justamente essa "vida padrão" que a escola descreve em seu samba. Nascer, brincar, beijar, tirar a habilitação, casar, envelhecer... Exatamente a rotina de vida clássica de uma classe média normal, sem apresentar qualquer novidade. Talvez por isso o samba tenha ficado um pouco comprido - sobretudo na segunda parte, quase arrastado. Dos refrões, gosto de um, apenas; o cabeça. Ele faz um jogo legal com "roseira". Já o refrão do meio traz algumas palavras de gosto duvidoso, e até rima "pra valer" com "oh! meu bem querer". Não adianta: não gostei do enredo, não vou gostar do samba. Darlan até que puxou bem, mas não adianta.

"Quando dei por mim já havia crescido"


Águia de Ouro: "A Velha Bahia apresenta o centenário do poeta cancioneiro Dorival Caymmi"

"E sobre as ondas do mar, no velho ita partiu/ sua viola a tocar a dor que o negro sentiu"

Depois de um show das caixas da Batucada da Pompéia, Serginho do Porto anuncia que "é pura emoção" cantar o centenário de Dorival Caymmi. Poeta, cancioneiro, sambista baiano; digno de homenagem de escola de samba. A letra já começa (com muita poesia) fazendo referência à diversas obras de Caymmi, e à Bahia também. Tem um segundo refrão muito bom, grande sem ser cansativo - no estilo daquele de 2013. O samba segue com frases compridas e belas, fechando a obra de maneira bem feliz. Não é aquela poesia melódica do ano passado, nem de longe; mas é uma das boas faixas do CD.

"é Águia de Ouro, supercampeã do povo"


Dragões da Real: "Um museu de grandes novidades"

"a magia nas cores da tela, um sorriso revela" 

Lembra do enredo da Rosas? Então, a Dragões também seguirá a linha da nostalgia, porém uma nostalgia concreta. Misturando Chico Buarque de Holanda, novelas da Globo, Michael Jackson e Os Trapalhões; a escola recorda-se das lembranças de uma geração que cresceu por volta dos anos 80. O samba canta o que fazia sucesso na época de uma maneira bem simples. Os pontos fortes estão na primeira e segunda parte. No primeiro refrão uma alusão ao samba "Vai passar", do Chico Buarque - que pra mim deveria ser cantado no esquenta de toda escola de samba antes do desfile. No segundo refrão, que fala sobre a infância e seus personagens da época, faltou aquela explosão que anima a galera. Não entendi apenas a ligação da parte final do samba, que fala do próprio samba, com o enredo como um todo: "E o samba a cada dia se estruturava...". Ainda mais por essa parte vir logo após a citação a'Os Trapalhões, ela pareceu-me "jogada" na letra. De resto, um samba animado (e muito bem puxado/arranjado); mediano, mas bem superior ao do ano passado.

"E o samba a cada dia se estruturava/ a evolução acompanhava/ mantendo suas tradições"


Império de Casa Verde: "Sustentabilidade, construindo um mundo novo"

"quero lavar minha alma/ na fonte que o rio deságua"

Com uma das melodias mais belas dentre os sambas do próximo carnaval, a Casa Verde estremece, sim, pela qualidade do samba. E, logicamente, pela batucada de primeira que tira onda na faixa. O samba pode até ter uma letra pobre, cheia de "ão's"; mas não deixa de ser bom. O refrão do meio, curto e esticado, cria um efeito muito bonito. O enredo pode até parecer clichê, mas não deixa de ser necessário. Soa mesmo como um grito de aletra, apesar de eu não enxergar muito bem a sustentabilidade em si na letra. Parece até um pouco ingênua, inclusive. Vale prestar atenção no intérprete da escola, o Carlão, um dos melhores atualmente. Enfim, é um samba de enredo simples, mas que funciona bem!

"sustentabilidade a hora é essa!"


Acadêmicos do Tucuruvi: "Uma fantástica viagem ao mundo da imaginação infantil"

"Educação é ir além!"

Outro enredo batidíssimo no nosso carnaval, porém, se bem abordado, ainda pode render um belo desfile. Aliás, nesse carnaval, tem uns 4 temas assim já, né? O samba não é lá grande coisa. Tem uma melodia legal, pra cima. Um terceiro refrão bem explorado no samba. No entanto, a letra não me agrada. Ela é recheada de clichês, versos de gosto duvidoso e palavras no futuro (dando efeito de como se o eu-lírico tivesse prevendo alguma coisa no samba). Além de ter um dos piores refrões do carnaval, o refrão do meio, que me custa acreditar que será cantado na avenida por uma escola do Grupo Especial. Rimam "sei lá" com "compartilhar", numa provável alusão infeliz ao universo das redes sociais, que estão longe de serem destinadas ao público infantil. Essa parceria de samba aí já fez sambas muito bons para a própria Tucuruvi. Este ano não deu muito certo. Às vezes o enredo não ajuda.

"Quem é o dono da rua? Sei lá!"


Vai-Vai: "Nas chamas da Vai-Vai, 50 anos de Paulínia"

"Resplandeceu.../ um novo dia com a quebra das correntes"

Falar de Paulínia não é comum. Falar de cidadezinha brasileira com história de indiozinho, negro, independência e café, só pra receber patrocínio do lugar; sim. Não precisa nem chamar de enredo batido, né? Cabe a Vai-Vai me mostrar o invés, mostrar que Paulínia é diferente de todas as outras cidades-tema-de-carnaval. Permaneço cético até que o desfile prove o contrário. O samba, é pra frente, como característica marcante da escola. Dá um guinada legal em "o povo pôde festejar... festejar". Destaque para melodia. A letra também não fica atrás, não. Bem construída, bem rimada e com uma pitada de poesia. Só devemos tomar cuidado com a idealização do tema em excesso. Pode acabar criando uma imagem irreal do enredo. Também não me desce o refrão do meio, soa forçado. Dá a impressão que foi feito na pressa. A faixa é muito bem interpretada pelo Marcinho, e abrilhantada por Thobias da Vai-Vai e Dodô do Pixote (este, no samba-exaltação). Aliás, bela homenagem à Dona Odete. E aê? Tá bom de açúcar, ou quer mais?

"o esporte é vida, saúde e paixão/ é emoção"


Nenê de Vila Matilde: "Paixões proibidas e outros amores"

"nosso desejo está escrito no olhar"

Famosa por seus sambas memoráveis, a Nenê parece que ultimamente vem deixando a tradição de lado e levando pro Anhembi sambas cada vez mais comuns. Não deixa de ser um enredo comum também, com o diferencial nos amores proibidos. O samba é bem grande, deve-se atentar para que a melodia nesta letra comprida assim não canse na avenida. O enredo também é longo. Não chega a ser um samba ruim. Mas está longe de ser uma bela obra. Não me parece ter um diferencial em específico. Parece mais aqueles sambas técnicos, pra jurado ver. O avalio como um "simples" que podia ser aperfeiçoado. A Nenê podia mais...

"Eu vou... nessa viagem de amor/ no universo do prazer"


Gaviões da Fiel Torcida: "R9 - O voo real do fenômeno"

"Mas, nos campos nem tudo são flores"

Falando dos voos do ex-jogador, hoje empresário, Ronaldo Nazário de Lima é que a Gaviões vem pro carnaval. Fizeram um belo jogo de palavras encadeando o enredo entre os voos da carreira dele, o tal Voo Real, com o tradicional voo do Gavião, simbolo-mor da escola. Esse enredo parece ter uma abordagem legal também, saindo do tradicional enredo-biografia. A letra é de uma poesia admirável, nem parece falar do Ronaldo, rs. São rimas intercaladas, versos bem postos. O único problema é que o samba não contagia. A melodia não empolga. E não estamos acostumados com isso na Gaviões (talvez isso venha lá de 95, com o "me dê a mão, me abraça..."). O refrão até tenta chamar a galera, fracassando já no terceiro verso. O samba em si é muito bonito, mas como carnaval é alegria, explosão; acho difícil vê-lo funcionar na avenida.

"Consagrado no cenário mundial/ Ronaldo, fenomenal!" 


X-9 Paulistana: "Insano"

"Será.../ que o personagem na ilusão do escritor/ se assemelha à visão de um pintor?"

Eis aqui um dos melhores enredos do carnaval paulistano deste ano! Coisa de doido. A cara do carnaval. E é nessa loucura que a X-9 apostou num tema tão original. O samba acompanha o tema. É redondinho, encaixado, super bem montado. Um verso vai complementando o outro, como num poema bem elaborado. A melodia não chega a ser contagiante, mas empolga. É fácil de guardar. E o refrão principal ajuda. Um samba não muito incomum, mas que aposta na transgressão que o enredo faz para torná-lo diferente, alucinado, fora do normal. A Zona Norte tá louca pra ganhar o carnaval!

"Graças a Deus/ A fé não fez queimar a liberdade"




Acadêmicos do Tatuapé: "Poder, fé e devoção. São Jorge guerreiro"

"Tu és cavaleiro de tantas batalhas,/ São Jorge guerreiro, você nunca falha"

Sabe aquele samba do ano, que marca a safra e o CD? Não? Escute o da Tatuapé, então. Só a introdução já dá uma sacudida legal. A obra é emocionante, quase um clamor a São Jorge. Quem diria, uma escola de samba tendo um santo católico como tema, hein? A letra inicia narrando a saga do cavaleiro que se tornou símbolo dos guerreiros. E narra muito bem. Rimas bem encadeadas, ricas. Não se estende além do necessário. O destaque da faixa mesmo fica por conta da lindíssima melodia. Soa valente. Carrega axé. Emoção. Devoção. Chega a parecer uma prece. Vaguinho e Wander Pires puxam muito bem em dupla. Ainda mais com uma participação mais que especial de Leci Brandão. O samba explode mesmo no refrão do meio, ali no "Ogunhê..." é o ápice. E essa energia segue a música inteira, dando outra subida significativa em "Tu és cavaleiro...", para atingir a redenção lá no refrão principal. É realmente uma obra-prima, singular. Chega a comover. E olha que nem devoto eu sou. É muito axé!

"fiel padroeiro/ na terra do carnaval"


Tom Maior: "Foz do Iguaçu: destino do mundo - Sinfonia das águas em Tom Maior"

"Na dança das águas eu vou me banhar/ lavar a alma na cachoeira"

A segunda escola que tem uma cidade como tema do carnaval 2014 ao menos escolheu uma cidade curiosa para carnavalizar. Foz de Iguaçu tem lá suas particularidades (as cataratas, a fronteira com outros dois países, o Parque Nacional, a usina de Itaipu). O samba da Tom também. Outro samba redondinho. Pudera, já viu a escola fazer samba ruim? A melodia é empolgante e sobe muito no refrão do meio (com a ajuda da bateria, claro). Na segunda parte, a letra mostra toda sua irreverência. Mas é no começo do samba que há a descrição mais bela da cidade. Rene Sobral somado a essa batucada só acrescentam na faixa.

"levando a energia de Itaipu/ 100 anos de Foz do Iguaçu"


Pérola Negra: "Caminhos segui, lugar encontrei... Pérola Negra - A suprema felicidade!"

"seguindo o caminho da virtude e do bem/ sem olhar a quem"

Numa pegada mais filosófica, a Pérola vem desfilar a felicidade em conjunto com o aniversário da escola. O enredo é bem bolado, mas difícil de virar samba. Samba contagiante, pelo menos. Divido o samba da escola ao meio. Possui uma letra bonita, inteligente. Não são nem as rimas, que nem chegam a ser tão elaboradas, e sim os versos inteiros, bem encaixados no tema. E possui também uma melodia que chega a dar sono. O prolongamento de algumas palavras agrava isso. As viradas melódicas também não ajudam. O refrão principal não soa espontâneo, além de ser um refrão bem clichê no mundo do samba. O que proporciona um respiro é o refrão do meio, a parte mais feliz melodicamente. Cuidado, Vila, que até sambas curtos podem arrastar na avenida. Aliás, infelizmente, não há no hino deste ano nenhuma referência ao belíssimo samba-exaltação da escola (aquele do "veeeeeenha, você verá que vale à pena..."), que fala sobre ver o povo da escola sambar feliz. E se há, tá bem escondido!

"A vida não teria sentido/ sem você eu sei que não vivo"


Leandro de Itaquera: "Ginga Brasil, futebol é raça. Em 2014, a Copa do Mundo começa aqui."

"tocou para o povo, driblou a nobreza"

Falando não só da Copa no Brasil, mas do futebol brasileiro em si; a Leandro traz um samba gordo, de três refrões. Acho um tanto desnecessário. Não sei se devido ao tamanho do samba, a escola acelerou um pouco o andamento. A primeira parte é complicada, chega até ser cansativa. Os refrões, são simples. Apenas estão chamando a galera. Por isso acho excessivo. Na segunda parte o samba melhora. E logo é atropelado por outro bis. A escola tenta trazer a Copa pro povo, pra Itaquera; mas infelizmente quem senta na cadeira enumerada novinha em folha do estádio recém-inaugurado pra ver o Brasil jogar, não é quem brinca o carnaval na avenida.

"e a galera se agita na palma da mão/ ao som da Batucada do Leão"


Resta decorar as letras e aguardar os desfiles... Porque o CD do carnaval paulista deste ano ficou bem mediano em termos de qualidade dos sambas. Qualidade, aliás, que vem decrescendo conforme os anos correm. A produção também deixou a desejar. Quase não escuto a bateria das escolas de samba ao longo das faixas. Os graves são encobertos pelos agudos. O cavaco praticamente tampa os agudos. Difícil é decifrar os breques das batucadas assim. Sem contar que as escolas nem têm tempo de fazer um esquenta antes de mandarem os sambas. Está tudo muito limitado, padronizado. Inclusive os enredos do carnaval deste ano. Quase todos já vistos. São poucas novidades na criação. Nosso carnaval já fora mais ousado, mais irreverente.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

#DesafioDia23

Por fim, encerrando a bagaça, chego a última postagem da série sobre minha última semana, tão desafiadora. Agora, além de postar os acontecimentos/reflexões do dia, vou agregar à publicação, lá no final, um resumão de todos os itens do desafio.

Como o texto que li é sobre Vinícius, o poema de hoje não poderia ser de autor diferente. Balada das Duas Mocinhas de Botafogo trata-se de um poema com jeito de conto. Um poema sem rimas, mas muito bem ritmado. E envolvente. Poético ao máximo, romântico ao estilo do Poetinha. Conta-se a história de duas irmãs de Botafogo, carentes de amor e família,  que acabam tendo no sexo fácil uma forma de conquista e passa-tempo. As estrofes mostram como as duas eram unidas, amantes da noite; e como eram mal julgadas pela sociedade ao seu redor. Principalmente pelos homens. A vida de ambas prosseguia infeliz, sem sonhos. Numa noitada qualquer, elas morrem juntas, a sós, evidenciando que uma só tinha a outra como amizade sincera. E o poema se finda bem ao estilo de Vinícius de Moraes: triste, melancólico; mas de um sentimentalismo sublime.

Fechando a parte musical, vamos de Caju e Castanha. Vai apanhar quem não disser Roda, Rodete e Rodiano. Embalando a embolada com o pandeiro, a dupla nordestina brinca com as rimas, com as palavras, com a velocidade que a música é cantada. É impressionante o flow dos dois. Sempre que escuto um repente fico admirado com a habilidade desses caras. A letra fala de porta, portela, ará, urú, arara, roda, rodete e rodiano. O que isso significa eu não faço ideia, mas que tem uma ginga diferente; Ah! Se tem... Se não tivesse, Chico Science não teria regravado a canção assim:


Finalizando o setor dos filmes, assisti um documentário produzido por alunos lá da UFF sobre botequins. Boa sacada. O curta reúne depoimentos de frequentadores de alguns botecos onde foram feitas as filmagens. O resultado foram declarações bem espontâneas das figuras peculiares que preenchem as mesas de bar do Rio de Janeiro. Os alunos conseguiram captar a sinceridade que só o botequim tem; claro, depois de uns 3 ou 4 chopps... Papo de Botequim é isso. É o falar da vida, sem compromisso. Sem puxa-saquismo. Sem bajulação devido a liberdade que o bar proporciona (ou ao menos parece proporcionar) aos seus clientes. Como foi citado no vídeo, o bar é democrático. As pessoas que lá estão também tem que ser. Só lá ocorre o (genialmente) chamado Socialismo Etílico. O bar, com uma mãozinha do álcool, permite isso. Além disso, é no botequim que se relembram as melhores histórias. E que nascem muitas delas também. Lá, a vida rotineira fica de lado por um momento. Enquanto se ouve um samba do Noel, não se pensa no trabalho estressante, na doença de algum familiar ou em outro problema qualquer. O papo de botequim é um dos melhores que tem. Quero conversar muito ainda sentado numa cadeira de madeira, com uma marca famosa de cerveja estampada na mesa e aquele copo geladinho na mão esquerda. Sempre bem acompanhado, logicamente.

O texto de hoje vai pro meu caderno, que eu não usava desde ano passado. Sei lá, abri e escrevi. Guardei de novo. Não sei porque eu guardo tanta coisa inútil assim...

Como eu havia falado antes, li sobre Vinícius de Moraes. Um texto de José Castello que disseca o poeta em faces bipolares. Além disso, o autor afirma categoricamente que ele fora o poeta do desespero. Mais do que exaltar o amor pela alegria, pela vida; segundo Castello, ele narrou em seus versos uma verdadeira sucessão de decepções de um homem atormentado. E não é que ele me convenceu? O texto, feito em 2009 para a Revista Bravo!, tem bons argumentos para declarar que a dor do Poetinha foi maior que seus prazeres. Vejo Vinícius como um homem ingênuo no amor, por vontade própria, que buscava nas mulheres (e no casamento) a mais pura paixão. Assim, quando não retribuída de maneira equivalente, essa paixão esfria, transforma-se em ilusão; e só Vinícius poderia dizer pelas quantas desilusões amorosas passou. Por aparentar sofrer tanto, acredito mesmo que ele teve algumas desilusões. Mas acredito também que as vezes em que Vinícius amou sinceramente e foi amado da mesma forma não foram poucas. Só o poeta poderia responder essa, em forma de versos, talvez. Sabemos só que Uma Alma Duplicada como a dele, soube muito bem extrair seus sentimentos em forma de poesia. Seja ela sobre a luz, seja ela sobre a escuridão.

Matei umas formigas e ajudei na cozinha. Não me recordo se foi nessa ordem.

E por fim acabou. De balanço positivo eu tiro 7 músicas novas na coleção, a minha volta à escrita no papel, a minha volta também à leitura de poemas, 7 filmes inéditos na mente, junto com outros 7 textos. Mente expandidíssima! Ajudei minha mãe na casa, de forma bem insignificante, mas já é um começo. Espalhei sim sorrisos, apenas não os contei. Fiz uns exercícios diários (tirando hoje). Entrei menos no face, no twitter e no instagram. No whats, não. Não consegui acordar cedo todos os dias, mas tentei. E só bebi duas vezes... fim de semana a gente não aguenta, né? O tal desafio deu uma sacudida legal nesse blog, que tinha ficado um tempinho jogado de lado. Quero voltar a ativa agora. Não postando todos os dias assim... Voltar quando der. E vai dar.

Vou ver se prossigo com algumas partes desse desafio, desta vez sem o dever de ficar postando e analisando tudo aqui. Essa parte chata, xá com a minha cabeça.