Fui a festa de lançamento do CD do carnaval 2014 de São Paulo, em dezembro. Ganhei o disco, ouvi em casa, passei pro computador, pro celular e agora passo pro blog minha opinião a respeito, antes que comecem a se intensificarem os ensaios técnicos.
O material é simples, muito bonito e bem organizado. Traz junto um encarte com informações das escolas e todos os sambas para o próximo carnaval. A única ressalta vai para a letra do samba da Águia de Ouro que, não sei como nem porque, está toda distorcida do oficial cantado na faixa do CD. Uma pena terem extinto aquela revistinha do carnaval que vinha junto ao disco. Boa informação nunca é demais. E parabéns por continuarem valorizando as agremiações do Grupo de Acesso, fazendo parte mais uma vez do produto deste carnaval um CD duplo.
Nesta análise, vou escrever sobre o que achei não só de cada samba de enredo (letra e melodia), mas de cada faixa. Será apenas minha opinião no momento e, que até o carnaval, com certeza deverá se modificar. Destaco em cada samba dois trechos: um
. Essa parte eu deixo para que vocês reflitam se destaquei os versos corretamente, ou não. Qualquer dúvida, explicação ou crítica; é só comentar!
Mocidade Alegre: "Andar com fé eu vou... que a fé não costuma falhar!"
"brilho nos olhos, alma lavada e paz no coração"
"Obrigado, meu Deus" por ter esse samba em 2014! É daqueles pra concorrer ao Troféu Nota 10, sabe? Redondinho, bem rimado e de linda melodia. O enredo facilita. É bem sacado, e de grande apelo popular. O samba, por sua vez, tem dois refrões muito bons. O primeiro deles, eu já até o imagino na avenida sendo cantado por aquela procissão de sambistas que a Mocidade sempre traz. O segundo refrão é um pouco mais longo, mas não de menor beleza. Além disso, proporciona um tempo exato para que a batucada faça lá sua graça. Acho apenas que os compositores poderiam ter evitado as rimas feitas com verbos terminados em "ar", na primeira parte do samba. E também que a participação de Cissa Guimarães na introdução da faixa é desnecessária. Cabia melhor um esquenta, um alusivo à escola... O destaque fica pra Igor Sorriso, que além de combinar bem com o tema, deu um show de interpretação. É outro nível, se comparado ao ano passado; muito melhor. E se em 2013 a escola já beliscou o campeonato, imagine agora.
"tenha fé que a fé não costuma falhar"
Rosas de Ouro: "Inesquecível"
"Saudade! Olho pro céu pra nunca te esquecer"
Reza a lenda que enredo ruim dá samba ruim. Geralmente é isso mesmo. Com a Rosas, infelizmente, não foi diferente. Em "Inesquecível", a escola não traz absolutamente nada de inesquecível. Traz, sim, momentos da vida na qual praticamente todos passam, ou seja, a maioria. E levando "a maioria" para a avenida, a escola deixa de carnavalizar algo único ou inovador para trazer como tema uma vida estereotipada de alguém qualquer e comum. Assim, ao mesmo tempo que representa a maioria, acaba não representando ninguém, já que o que marca nossas vidas são os momentos diferentes, únicos; e não uma vida padrão. É justamente essa "vida padrão" que a escola descreve em seu samba. Nascer, brincar, beijar, tirar a habilitação, casar, envelhecer... Exatamente a rotina de vida clássica de uma classe média normal, sem apresentar qualquer novidade. Talvez por isso o samba tenha ficado um pouco comprido - sobretudo na segunda parte, quase arrastado. Dos refrões, gosto de um, apenas; o cabeça. Ele faz um jogo legal com "roseira". Já o refrão do meio traz algumas palavras de gosto duvidoso, e até rima "pra valer" com "oh! meu bem querer". Não adianta: não gostei do enredo, não vou gostar do samba. Darlan até que puxou bem, mas não adianta.
"Quando dei por mim já havia crescido"
Águia de Ouro: "A Velha Bahia apresenta o centenário do poeta cancioneiro Dorival Caymmi"
"E sobre as ondas do mar, no velho ita partiu/ sua viola a tocar a dor que o negro sentiu"
Depois de um show das caixas da Batucada da Pompéia, Serginho do Porto anuncia que "é pura emoção" cantar o centenário de Dorival Caymmi. Poeta, cancioneiro, sambista baiano; digno de homenagem de escola de samba. A letra já começa (com muita poesia) fazendo referência à diversas obras de Caymmi, e à Bahia também. Tem um segundo refrão muito bom, grande sem ser cansativo - no estilo daquele de 2013. O samba segue com frases compridas e belas, fechando a obra de maneira bem feliz. Não é aquela poesia melódica do ano passado, nem de longe; mas é uma das boas faixas do CD.
"é Águia de Ouro, supercampeã do povo"
Dragões da Real: "Um museu de grandes novidades"
"a magia nas cores da tela, um sorriso revela"
Lembra do enredo da Rosas? Então, a Dragões também seguirá a linha da nostalgia, porém uma nostalgia concreta. Misturando Chico Buarque de Holanda, novelas da Globo, Michael Jackson e Os Trapalhões; a escola recorda-se das lembranças de uma geração que cresceu por volta dos anos 80. O samba canta o que fazia sucesso na época de uma maneira bem simples. Os pontos fortes estão na primeira e segunda parte. No primeiro refrão uma alusão ao samba "Vai passar", do Chico Buarque - que pra mim deveria ser cantado no esquenta de toda escola de samba antes do desfile. No segundo refrão, que fala sobre a infância e seus personagens da época, faltou aquela explosão que anima a galera. Não entendi apenas a ligação da parte final do samba, que fala do próprio samba, com o enredo como um todo: "E o samba a cada dia se estruturava...". Ainda mais por essa parte vir logo após a citação a'Os Trapalhões, ela pareceu-me "jogada" na letra. De resto, um samba animado (e muito bem puxado/arranjado); mediano, mas bem superior ao do ano passado.
"E o samba a cada dia se estruturava/ a evolução acompanhava/ mantendo suas tradições"
Império de Casa Verde: "Sustentabilidade, construindo um mundo novo"
"quero lavar minha alma/ na fonte que o rio deságua"
Com uma das melodias mais belas dentre os sambas do próximo carnaval, a Casa Verde estremece, sim, pela qualidade do samba. E, logicamente, pela batucada de primeira que tira onda na faixa. O samba pode até ter uma letra pobre, cheia de "ão's"; mas não deixa de ser bom. O refrão do meio, curto e esticado, cria um efeito muito bonito. O enredo pode até parecer clichê, mas não deixa de ser necessário. Soa mesmo como um grito de aletra, apesar de eu não enxergar muito bem a sustentabilidade em si na letra. Parece até um pouco ingênua, inclusive. Vale prestar atenção no intérprete da escola, o Carlão, um dos melhores atualmente. Enfim, é um samba de enredo simples, mas que funciona bem!
"sustentabilidade a hora é essa!"
Acadêmicos do Tucuruvi: "Uma fantástica viagem ao mundo da imaginação infantil"
"Educação é ir além!"
Outro enredo batidíssimo no nosso carnaval, porém, se bem abordado, ainda pode render um belo desfile. Aliás, nesse carnaval, tem uns 4 temas assim já, né? O samba não é lá grande coisa. Tem uma melodia legal, pra cima. Um terceiro refrão bem explorado no samba. No entanto, a letra não me agrada. Ela é recheada de clichês, versos de gosto duvidoso e palavras no futuro (dando efeito de como se o eu-lírico tivesse prevendo alguma coisa no samba). Além de ter um dos piores refrões do carnaval, o refrão do meio, que me custa acreditar que será cantado na avenida por uma escola do Grupo Especial. Rimam "sei lá" com "compartilhar", numa provável alusão infeliz ao universo das redes sociais, que estão longe de serem destinadas ao público infantil. Essa parceria de samba aí já fez sambas muito bons para a própria Tucuruvi. Este ano não deu muito certo. Às vezes o enredo não ajuda.
"Quem é o dono da rua? Sei lá!"
Vai-Vai: "Nas chamas da Vai-Vai, 50 anos de Paulínia"
"Resplandeceu.../ um novo dia com a quebra das correntes"
Falar de Paulínia não é comum. Falar de cidadezinha brasileira com história de indiozinho, negro, independência e café, só pra receber patrocínio do lugar; sim. Não precisa nem chamar de enredo batido, né? Cabe a Vai-Vai me mostrar o invés, mostrar que Paulínia é diferente de todas as outras cidades-tema-de-carnaval. Permaneço cético até que o desfile prove o contrário. O samba, é pra frente, como característica marcante da escola. Dá um guinada legal em "o povo pôde festejar... festejar". Destaque para melodia. A letra também não fica atrás, não. Bem construída, bem rimada e com uma pitada de poesia. Só devemos tomar cuidado com a idealização do tema em excesso. Pode acabar criando uma imagem irreal do enredo. Também não me desce o refrão do meio, soa forçado. Dá a impressão que foi feito na pressa. A faixa é muito bem interpretada pelo Marcinho, e abrilhantada por Thobias da Vai-Vai e Dodô do Pixote (este, no samba-exaltação). Aliás, bela homenagem à Dona Odete. E aê? Tá bom de açúcar, ou quer mais?
"o esporte é vida, saúde e paixão/ é emoção"
Nenê de Vila Matilde: "Paixões proibidas e outros amores"
"nosso desejo está escrito no olhar"
Famosa por seus sambas memoráveis, a Nenê parece que ultimamente vem deixando a tradição de lado e levando pro Anhembi sambas cada vez mais comuns. Não deixa de ser um enredo comum também, com o diferencial nos amores proibidos. O samba é bem grande, deve-se atentar para que a melodia nesta letra comprida assim não canse na avenida. O enredo também é longo. Não chega a ser um samba ruim. Mas está longe de ser uma bela obra. Não me parece ter um diferencial em específico. Parece mais aqueles sambas técnicos, pra jurado ver. O avalio como um "simples" que podia ser aperfeiçoado. A Nenê podia mais...
"Eu vou... nessa viagem de amor/ no universo do prazer"
Gaviões da Fiel Torcida: "R9 - O voo real do fenômeno"
"Mas, nos campos nem tudo são flores"
Falando dos voos do ex-jogador, hoje empresário, Ronaldo Nazário de Lima é que a Gaviões vem pro carnaval. Fizeram um belo jogo de palavras encadeando o enredo entre os voos da carreira dele, o tal Voo Real, com o tradicional voo do Gavião, simbolo-mor da escola. Esse enredo parece ter uma abordagem legal também, saindo do tradicional enredo-biografia. A letra é de uma poesia admirável, nem parece falar do Ronaldo,
rs. São rimas intercaladas, versos bem postos. O único problema é que o samba não contagia. A melodia não empolga. E não estamos acostumados com isso na Gaviões (talvez isso venha lá de 95, com o "me dê a mão, me abraça..."). O refrão até tenta chamar a galera, fracassando já no terceiro verso. O samba em si é muito bonito, mas como carnaval é alegria, explosão; acho difícil vê-lo funcionar na avenida.
"Consagrado no cenário mundial/ Ronaldo, fenomenal!"
X-9 Paulistana: "Insano"
"Será.../ que o personagem na ilusão do escritor/ se assemelha à visão de um pintor?"
Eis aqui um dos melhores enredos do carnaval paulistano deste ano! Coisa de doido. A cara do carnaval. E é nessa loucura que a X-9 apostou num tema tão original. O samba acompanha o tema. É redondinho, encaixado, super bem montado. Um verso vai complementando o outro, como num poema bem elaborado. A melodia não chega a ser contagiante, mas empolga. É fácil de guardar. E o refrão principal ajuda. Um samba não muito incomum, mas que aposta na transgressão que o enredo faz para torná-lo diferente, alucinado, fora do normal. A Zona Norte tá louca pra ganhar o carnaval!
"Graças a Deus/ A fé não fez queimar a liberdade"
Acadêmicos do Tatuapé: "Poder, fé e devoção. São Jorge guerreiro"
"Tu és cavaleiro de tantas batalhas,/ São Jorge guerreiro, você nunca falha"
Sabe aquele samba do ano, que marca a safra e o CD? Não? Escute o da Tatuapé, então. Só a introdução já dá uma sacudida legal. A obra é emocionante, quase um clamor a São Jorge. Quem diria, uma escola de samba tendo um santo católico como tema, hein? A letra inicia narrando a saga do cavaleiro que se tornou símbolo dos guerreiros. E narra muito bem. Rimas bem encadeadas, ricas. Não se estende além do necessário. O destaque da faixa mesmo fica por conta da lindíssima melodia. Soa valente. Carrega axé. Emoção. Devoção. Chega a parecer uma prece. Vaguinho e Wander Pires puxam muito bem em dupla. Ainda mais com uma participação mais que especial de Leci Brandão. O samba explode mesmo no refrão do meio, ali no "Ogunhê..." é o ápice. E essa energia segue a música inteira, dando outra subida significativa em "Tu és cavaleiro...", para atingir a redenção lá no refrão principal. É realmente uma obra-prima, singular. Chega a comover. E olha que nem devoto eu sou. É muito axé!
"fiel padroeiro/ na terra do carnaval"
Tom Maior: "Foz do Iguaçu: destino do mundo - Sinfonia das águas em Tom Maior"
"Na dança das águas eu vou me banhar/ lavar a alma na cachoeira"
A segunda escola que tem uma cidade como tema do carnaval 2014 ao menos escolheu uma cidade curiosa para carnavalizar. Foz de Iguaçu tem lá suas particularidades (as cataratas, a fronteira com outros dois países, o Parque Nacional, a usina de Itaipu). O samba da Tom também. Outro samba redondinho. Pudera, já viu a escola fazer samba ruim? A melodia é empolgante e sobe muito no refrão do meio (com a ajuda da bateria, claro). Na segunda parte, a letra mostra toda sua irreverência. Mas é no começo do samba que há a descrição mais bela da cidade. Rene Sobral somado a essa batucada só acrescentam na faixa.
"levando a energia de Itaipu/ 100 anos de Foz do Iguaçu"
Pérola Negra: "Caminhos segui, lugar encontrei... Pérola Negra - A suprema felicidade!"
"seguindo o caminho da virtude e do bem/ sem olhar a quem"
Numa pegada mais filosófica, a Pérola vem desfilar a felicidade em conjunto com o aniversário da escola. O enredo é bem bolado, mas difícil de virar samba. Samba contagiante, pelo menos. Divido o samba da escola ao meio. Possui uma letra bonita, inteligente. Não são nem as rimas, que nem chegam a ser tão elaboradas, e sim os versos inteiros, bem encaixados no tema. E possui também uma melodia que chega a dar sono. O prolongamento de algumas palavras agrava isso. As viradas melódicas também não ajudam. O refrão principal não soa espontâneo, além de ser um refrão bem clichê no mundo do samba. O que proporciona um respiro é o refrão do meio, a parte mais feliz melodicamente. Cuidado, Vila, que até sambas curtos podem arrastar na avenida. Aliás, infelizmente, não há no hino deste ano nenhuma referência ao belíssimo samba-exaltação da escola (aquele do "veeeeeenha, você verá que vale à pena..."), que fala sobre ver o povo da escola sambar feliz. E se há, tá bem escondido!
"A vida não teria sentido/ sem você eu sei que não vivo"
Leandro de Itaquera: "Ginga Brasil, futebol é raça. Em 2014, a Copa do Mundo começa aqui."
"tocou para o povo, driblou a nobreza"
Falando não só da Copa no Brasil, mas do futebol brasileiro em si; a Leandro traz um samba gordo, de três refrões. Acho um tanto desnecessário. Não sei se devido ao tamanho do samba, a escola acelerou um pouco o andamento. A primeira parte é complicada, chega até ser cansativa. Os refrões, são simples. Apenas estão chamando a galera. Por isso acho excessivo. Na segunda parte o samba melhora. E logo é atropelado por outro bis. A escola tenta trazer a Copa pro povo, pra Itaquera; mas infelizmente quem senta na cadeira enumerada novinha em folha do estádio recém-inaugurado pra ver o Brasil jogar, não é quem brinca o carnaval na avenida.
"e a galera se agita na palma da mão/ ao som da Batucada do Leão"
Resta decorar as letras e aguardar os desfiles... Porque o CD do carnaval paulista deste ano ficou bem mediano em termos de qualidade dos sambas. Qualidade, aliás, que vem decrescendo conforme os anos correm. A produção também deixou a desejar. Quase não escuto a bateria das escolas de samba ao longo das faixas. Os graves são encobertos pelos agudos. O cavaco praticamente tampa os agudos. Difícil é decifrar os breques das batucadas assim. Sem contar que as escolas nem têm tempo de fazer um esquenta antes de mandarem os sambas. Está tudo muito limitado, padronizado. Inclusive os enredos do carnaval deste ano. Quase todos já vistos. São poucas novidades na criação. Nosso carnaval já fora mais ousado, mais irreverente.