Cola cum Fróis

Escrevo pela necessidade de me livrar das palavras | @_dudufrois

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Brigando com o tempo na Cidade Cinza

Estudando fora, longe de casa, um relógio de pulso seria bem-vindo! Provavelmente foi isso que minha mãe pensou ao me dar relógio digital quadradinho, a prova d'água, todo preto, bem simplesinho. Estilo aqueles de dez reais que você compra na feirinha da cidade, sabe? "Mostrando as horas, tá bom" - deve ter imaginado ela. E me deu. Só que com o mundo de hoje girando ao redor dos celulares e smartphones, quem é que precisa de um relógio pra ver as horas? Eu. Que perdi o radinho mês passado. Passei a usar relógios não mais como um simples acessório visual.

Além daquele que ganhei de minha mãe, eu tinha lá guardado na gaveta um outro: vermelho, de ponteiros, bem mais complicado de ler as horas, só que novinho também. Bem mais bonito. Passei a usá-lo pra ir estudar, pra sair à noite, sair pra comer... Dificuldades com ponteiros à parte, aquele objeto vermelho começou a fazer parte da minha rotina. 

Até que em um dia normal, apressado pra sair, acabei mexendo na gaveta pra pegar lá no fundo alguma coisa como uma balinha de hortelã ou as chaves da porta. Vi o tal relógio preto. Agarrei-o com firmeza e saí depressa. Deixei, sem querer, o meu querido relógio vermelho em casa. Usei o preto, o feiinho. "Fazer o quê, né?" Já era fim do dia quando eu fui perceber que aquele relógio preto que eu nunca havia colocado no pulso estava 10 minutos adiantado. Pensei: "grande coisa, o que dez minutos podem mudar na minha vida?" E joguei-o em cima da mesinha do quarto. E por lá ele
ficou.

oh o naipão do bagui

Aí, após belos dias se passarem, em meio a pressa cotidiana, estava eu atrasado, outra vez. De férias, iria pegar ônibus pra Pinda. Descansar de Sampa, da cidade grande, do clima de festa e agitação que envolve a Copa do Mundo na capital. Comprei a passagem on-line, e pra não perder o busão como na semana passada, eu ia ter que sair logo de casa. Sei que se eu o perdesse, ficaria na rodoviária algo como duas horas até o próximo sair. Isso, se caso eu ainda conseguisse trocar a passagem. Do jeito que aquela empresa de passagem é... Fora o jogo da Argentina que eu nem ia vê por estar na estrada. Além de perder também toda a tarde naquele agoniante Terminal Tietê, eu perderia a noite, chegando tarde até pra dá um pião. Sem celular, então, mano. Sem poder ouvir uma música no foninho... Ah, eu tinha que correr!

E corri memo. Peguei a mochila, mordi alguma coisa e peguei o relógio que vi na frente. Saí mastigando, trancando a porta, ajeitando o relógio no braço, limpando a boca, trancando o portão e vendo as horas. Não faltava muito, não. Subi até o ponto do ônibus, que nunca passa quando a gente precisa. Enquanto eu pensava na possibilidade de comprar uma água no bar da esquina, ele veio vindo. Devagar. Cheio. Pudera, dia de jogo de Copa em Sampa... E seu destino era a badalada Vila Madalena. Lá peguei o metrô, enfrentei fila pra por crédito no bilhete e fila pra passar na catraca. Desci no apetite as escadas rolante pela direita. Me sentindo um paulistano, tio. Não adiantou nada. Tive que esperar do mesmo jeito. Quando veio o metrô, eu entrei já fazendo os cálculos do intervalo arredondado quanto perderia de uma estação pra outra e nas baldeações, junto com os minutos que me restavam. E eu ainda teria que imprimir a passagem que comprei na internet. Aliás, eu não sabia nem onde faria isso. 

Cada vez que eu olhava as horas, eu me desmotivava. Acho que o metrô da cidade de São Paulo nunca tinha andado tão devagar quanto naquela tarde. E as estações pareciam não acabar. Fui fazendo mais cálculos e vi que os 20 minutos que eu tinha antes, tinham virarado 15, já se tornaram 10. Fechei os olhos. Me imaginei chegando depois do horário de partida do ônibus. Me veio a cabeça os longos 120 minutos que eu passaria sentado naquelas cadeiras duras do terminal. Talvez com fome e sem grana. Assistindo a tarde ir embora. Guardando energia e inutilizando esse dia. UM DIA. Que tem 24 horas. E que eu não as haveria usado pra nada, a não ser me locomover míseros 150 quilômetros. Quem anda isso num dia todo? Se eu tivesse ido caminhando de mochila, compensaria mais. Não gastaria essa grana. Apreciaria uma paisagem, um ar puro. Poderia parar quando quisesse. Até pegar uma carona. Chegaria antes... Arghhhh!

Até que já quase sem esperanças, tentando me acostumar com ideia de viajar só no finalzinho da tarde, ao olhar mais uma vez pro meu pulso, me perguntei "por que diabos eu vim com esse troço?" Lembrei da minha mãe, do camelô que deve ter vendido pra ela, do outro relógio mais bonito, do celular que eu não tinha mais, dos dez minutos... DEZ MINUTOS!!! Era isso! Eu tinha mais dez minutos, e num contava com tal bônus. Era como morrer logo após passar num check-point no Crash. Como ser salvo pelo herói quando o vilão do filme já lhe perguntava seu último desejo.

Um sorriso logo surgiu no meu rosto. Perguntei pro cara ao lado as horas, só pra confirmar. Confirmei. Tudo bem, ele deve ter me achado um imbecíl perguntando as horas de relógio no braço esquerdo. Respirei fundo. Nem liguei. Agora sim as minhas contas batiam! A estação do Tietê se aproximava. O metrô parecia andar mais depressa. Saiu do subterrâneo dando vista ao céu acinzentado. Vi uma marginal cheio de sujeitos iguais a mim: apressados. Brigando contra o relógio. E vi também que desta vez eu iria vencer. 

Venci. Me senti de volta para o atletismo, numa competição lá no João do Pulo. Passei todos no corredor do terminal. E olha que ninguém anda devagar naquele lugar. Peguei a passagem, desci a escada de três em três degraus e fui o último a entrar no ônibus. Ouvi algo do tipo:

- Tava só esperando você, jovem, hahaha - do motorista.

Sentei no meu lugar. Estava suado. Ofegante. Olhei pro meu pulso e sorri outra vez. Fui arrumar o relógio pra hora certa. Pensei melhor... Desisti. Agradeci minha mãe em pensamento. E prometi nunca mais sair atrasado pra pegar ônibus, nem reclamar dos presentes dela. Afinal, mãe sempre sabe o que faz. 

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