Em Minas Gerais, como se sabe, o negócio é queijo e cachaça! Comuns, além das vaquinhas, são os alambiques de pinga artesanal espalhados dentre as infindáveis subidas e descidas. Lá mesmo a cana é plantada, cortada, moída, decantada, fermentada, destilada, armazenada e, claro, degustada. E foi num sítio desses que Seu Zé, o Minerim, foi de carona com um casal de amigos tomar uma.
O sítio na verdade eram duas casinhas de tijolo baiano, com uma horta no meio, e um pequeno canavial. A propriedade era dum tio de Minerim, o Cumpadre. Desses parentes que a gente só visita em feriado. Eles foram num fusca amarelo que era "mais brabo que tudo quanto essas caranga nova que tão rodando por aí". Claro que o Cortês, dono e apaixonado pelo seu fusca, ia puxar a sardinha pro carro. No caminho, entre as estradinhas de terra batida, ele veio contando as aventuras que passaram juntos. Se caísse um pé dágua, era só revestir as rodas com correntes e engatar a primeira que ele ia que só!
Mas o tempo tava firme. O sol brilhava tranquilo no azul céu de Minas. Azul feito o oceano visto de cima. É o azulzinho do mar que faltava aos mineiros.
Os três chegaram por volta das dez da manhã, sendo recebidos com um baita café da manhã preparado mulher do Cumpadre, a Cumadre. Os dois filhos do casal que recebia os visitantes brincavam na terra enquanto eles comiam. Mal terminaram a refeição e Cortês já foi logo querendo provar a tal pinga do lugar. O menino mais velho, todo lambuzado de terra vermelha sorriu e gritou, carregando no sotaque:
- Cuidado, seu moço. Quem daqui bebe com muita sede não se sacia, não, sô.
Eles riram. Menos Cortês, que insistia em conhecer a aguardente. A Cumadre lembrou ao rapaz que ele estava no volante...
- Esse aí dirige até no piloto automático, dona.
Eles riram outra vez. Dessa vez Cortês fez questão de rir de própria piada. O Cumpadre não perdeu tempo e logo serviu às visitas a famosa pinga. E a reação não podia ser outra:
- Uai! Mas isso é melhor que uísque.
Todos repetiram a dose. O Cumpadre quis mostrar a pequena fazenda. Minerim sugeriu para que levasse uma garrafa de cachaça junto ao passeio. Então logo surgiu nas mãos da Cumadre uma pingazinha de banana.
- Docinha!
Foram curtos passos e longos goles. A segunda garrafa se foi e o efeito do álcool era visível nos olhos dos visitantes. Cortês e Minerim até dispensaram o almoço. Queriam experimentar a caninha com sabor de café. O Cumpadre até ameaçou cortar o barato, mas logo cedeu. Não sem antes avisar:
- Essa daí tem que se apreciar, sô. É de poquim em poquim que si acaba. Qui nem a bríbia.
A dupla de amigos, que não era lá muito cristã, não deu ouvidos e continuou a bebericar. Até que o sol fosse embora. E a lua subisse, também com seu brilho. O papo seguiu. Falaram de política, que "tinha que surgir logo outro JK em Brasília". De futebol, que "esse ano a Libertadores era do Galo". E até rolou uma modinha sertaneja no violão da Cumadre. Lógico, regado à aguardente dali da terra.
Na hora de ir embora os dois parceiros trançaram as pernas e trombaram um no outro. Quase foram ao chão. Só não caíram porque um segurou no outro. Agradeceram e se despediram dos donos do sítio. Quiseram até comprar uma nova garrafa. Caíram na gargalhada e no soluço. Só pararam quando Cortês percebeu que havia perdido a chave do carro. Sua mulher havia guardado na bolsa e o reprimiu:
- Nesse estado o senhor não pega no volante!
- Mas eu tenho qui trabaiá amanhã, muié.
- Então o Minerim guia.
Cortês respirou fundo e olhou nos olhos do amigo de longa data:
- Você leva meu possante?
Minerim respondeu de imediato balançando a cabeça pra cima e pra baixo. Só parou quando recebeu as chaves.
Eles entraram no fusca, saíram do sítio e a maior preocupação era acertar o caminho. Já tava bem escuro e os buracos não ajudavam. Mas logo eles caíram na rodovia e puderam andar melhor. Minerim enfim pôde botar a terceira, acelerar, ultrapassar um caminhão de madeira. Meteu a quarta, diminuiu na curva, mas como era descida suave, voltou a acelerar fundo. Na hora de por a quinta o carro engasgou, ele foi olhar pro câmbio e não viu a curva seguinte. Passou reto e só parou na árvore, do outro lado da pista. O carro, que vinha em alta velocidade, ainda virou de lado antes de parar. Amassou por inteiro. Tiveram que quebrar os vidros pra sair de lá de dentro. Mas todos saíram bem.
Com um corte na testa, ainda bastante zonzo da batida e da pinga, Cortês agachou-se e voltou a olhar fundo nos olhos do amigo:
- Porra, você não disse que sabia levar???
Minerim, que estava deitado no chão, vendo o mundo todo girar, ouviu a voz do companheiro e respondeu sorrindo:
- Eu disse que ia levar, sô. Não disse que ia chegar.
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