Cola cum Fróis

Escrevo pela necessidade de me livrar das palavras | @_dudufrois

terça-feira, 29 de março de 2016

A baga que some

Ele queria parar pra fumar o ultimo rapé que ainda lhe restava. Pudera, viajava desde as três da tarde num sol destes que se dá em domingo - daqueles que são feriado religioso.

Já eram dez. Já tinha lua. E o corpo dele pedia arrego de tanta curva, serra e paisagem de pasto. O ambiente do ônibus lhe causava tédio. Daí foi que ele desceu, de milhão, logo que fizeram uma parada.

Além do chá, ele catou uma sacola de feira com banana, manga e uma faquinha pra descascar. Pra desbaratinar ele deu a volta no barato. Foi parar onde, de noite, os motoristas encostam seus caminhões. E por ali mesmo, dum pico que desse de cara pra lua e pro cruzeiro do sul, se abojou e comeu e fumou. 

A noite era bela, e foi por isso que o mané se empolgou nos devaneios enquanto contemplava o céu estrelado, daqueles que se tem somente na roça. Sua meia-horinha de parada passou depressa, e ele só foi perceber ao olhar pro celular; ato que logo virou uma espécie de tática pros guardinhas do posto não ganharem enquanto ele apagava o incenso.

Era ganja na mão esquerda e navalha na direita. Os mandados foram reto e ele muqueou o verde no tênis preto. Nem laceou o boot. Meteu, com o maior cuidado, o canivete no bolso do lado. Fez que ia sair. Parou.

a famosa ponta-firme

Voltou a olhar o céu. E, antes que viessem lhe perguntar algo, meteu foi o pé. Saiu tropeçando sem olhar pra trás. Nem chegou a ver os seguranças rirem de um sujeito tão desengonçado assim.

Passando em frente ao banheiro, ajeitou a bombeta, cheirou a mão e resolveu dar um tempo por ali. Foi direto pro box, lá no fundo. Abaixou a tampa com violência e botou o pé por cima. Tirou o sapato e nada daquela baga que apagara há pouco. Tirou o outro. Apalpou as meias com pressa e saiu emputecido, com a faca na mão, outra vez sem amarrar o cadarso.

Teve ainda a pachorra de retroceder pelo caminho feito, olhando pro piso cinza do estacionamento, atrás da sagrada ponta. Desistiu, e quando se aproximou do ônibus foi logo apontado pelo motorista que não ficaria mais no volante:

- Era esse aqui ó. De boné!

Ele sorriu, estampando uma mistura de tristeza e sarcasmo nos dentes. Escondeu a faca no bolso. Não antes do novo motorista esboçar uma careta. Entrou e respirou fundo. Se ele havia perdido um fino, eles, colegas de viagem, perdiam tempo. E tempo pra eles é dinheiro.

A velhinha do banco ao lado, logo percebeu a pala que ele deu e perguntou da demora. Ele, guardando a faca na bolsa, disse, subindo o tom, que estava chupando manga. "Muito melhor que esses sanduíche aí'. Os dois riram.

Nosso viajante se revoltou com os olhares, mas o bom humor da senhora curiosa lhe tranquilizou. A paisagem foi se esverdeando, sob o mesmo fundo negro e enluarado. Aos poucos a onda ia voltando. O sono vinha, enfim, chegando.

Aliás, dizem que manga consumida com maconha proporciona boas ondas. Claro, depende do mar. Do vento. Do clima. E o tempo estava ótimo! A lua é quem encheu a maré.

E nem era mais domingo quando, já pescando no banco, é que ele foi se ajeitar. Tirou o boné, inclinou o acento e deixou cair o par de tênis no chão...

Tirou, também, as meias, alguns quilômetros adiante. Ele viu que caiu algo de dentro delas. Logo sacou que era a baga desaparecida. Não conseguiu conter o riso. Muito menos a propagação da pala ao olfato alheio.